O uso de agrotóxicos é prática comum por muitos produtores agrícolas, que pulverizam suas lavouras com diversos produtos para controlar doenças, pragas ou plantas daninhas – todas essas práticas buscam assegurar a colheita e proporcionar maior produtividade e qualidade. Devido à extensão territorial e a diversidade climática, o país está entre os dez maiores consumidores de agrotóxicos no mundo, devendo-se atentar para o uso e fiscalização destes produtos.
Todavia, a realidade dos produtores não é nada fácil. Muitas vezes, eles se encontram sem respostas frente aos problemas fitossanitários. Desconhecem os agentes causadores ou então, não conseguem recomendações técnicas devido à falta de registro para a cultura. É o que acontece, por exemplo, com culturas como a acerola, a cereja, a jabuticaba, o feijão-caupi ou mesmo demais espécies com outros propósitos, como o pinhão manso, em destaque para o programa de agroenergia nacional.
A legislação brasileira de agrotóxicos em vigor é muito antiga, publicada ainda na década de 90 (Lei 7.802, 11/07/89) a qual teve seu decreto regulamentar somente em 2002 (Decreto 4.074, 04/01/2020). Estas leis estabelecem as normas para todo processo de pesquisa, produção, registro, comercialização, fiscalização, etc. de agrotóxicos no país. Entretanto, há ainda muitas lacunas, principalmente quando se discute sobre misturas de produtos em tanque, registro de produtos biológicos, estabelecimento de limites máximos de resíduos (LMR) para o consumo, controle de comercialização para as culturas sem recomendação, entre outras.
Recentemente, a Instrução Normativa (IN 01, 23/02/2010), construída em conjunto pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), estabeleceu novas regras para culturas que não possuem produtos registrados, ou seja, culturas sem inclusão nas bulas de registro de agrotóxicos e que, portanto, não pode ser recomendado nenhum tipo de tratamento fitossanitário. Esta medida visa ainda estabelecer os LMR permitidos para cada cultura. Conforme esta IN, os cultivos são agrupados em sete grupos: frutas com casca não comestível; frutas com casca comestível, raízes, tubérculos e bulbos; hortaliças folhosas; hortaliças não folhosas; leguminosas e oleaginosas; palmáceas e nozes. Estes são os principais grupos referenciados pela Instrução Normativa e que servem para a extrapolação dos Limites Máximos de Resíduos dos demais cultivos.
Com esta alteração, instituições de pesquisa ou extensão rural, associações e cooperativas de produtores ou mesmo as empresas registrantes podem solicitar a indicação da cultura como sendo de suporte fitossanitário insuficiente, assim como, pedir a extrapolação de LMR para algum ingrediente ativo especificado. A partir da sua análise e aprovação pelos órgãos responsáveis, o pedido de registro de ingrediente ativo e do agrotóxico torna-se mais fácil, permitindo a inclusão da cultura nas bulas de produtos já registrados. Em qualquer caso, a nova lei não exclui a necessidade de apresentação dos estudos de LMR para as culturas representativas, devendo o mesmo ser apresentado até 24 meses após a publicação da monografia do ingrediente ativo.
Apesar deste avanço, outros pontos ainda permanecem em discussão, como é o caso das misturas em tanque. Está prática é comum para a maioria dos produtores agrícolas, que buscam reduzir os custos de aplicação e obter maior retorno financeiro. Contudo, representa hoje a principal demanda legal para o uso de agrotóxicos e que não se observa nenhuma ação dos órgãos envolvidos, nem mesmo da Associação Nacional de Defensivos Agrícolas (ANDEF). Além dos problemas ambientais e a saúde, a mistura de produtos, incluindo agrotóxicos, fertilizantes e promotores de crescimento pode ocasionar inúmeros problemas de fitotoxicidade desconhecidos pelos usuários. A ausência de informações técnicas deixa produtores à margem de especuladores comerciais e gastos muitas vezes desnecessários.
O estabelecimento dos LMR e as análises de resíduos nos produtos agrícolas também são fundamentais para o estabelecimento do uso correto de agrotóxicos. No Brasil, a ANVISA possui desde 2003 o Programa de Análises de Resíduos de Agrotóxicos nos Alimentos (PARA) que busca monitorar os resíduos em grãos, frutas e hortaliças. Esse sistema é realizado em parceria com os órgãos de vigilância sanitária de 25 Estados. A ação ainda não possui caráter fiscal, apenas orienta para que sejam seguidas as boas práticas agrícolas. Em 2009 foram avaliadas 20 culturas para mais de 230 ingredientes ativos disponíveis. De acordo com os resultados, 29% das amostras apresentaram irregularidades nas análises, sendo o principal problema (23,8%) constatado para o uso de agrotóxicos não autorizados para a cultura analisada. Estes resultados evidenciam a falta de suporte fitossanitário para as culturas e também o uso inadequado das tecnologias pelo agricultor brasileiro.
Neste contexto, verifica-se que o uso de agrotóxicos no país ainda precisa de muito apoio técnico e de pesquisa. A atenção por parte dos órgãos públicos e privados também é fundamental, principalmente no âmbito legal. Precisa-se desmistificar a idéia de que todo o uso de agrotóxico é abusivo, assim como, que todo produto agrícola apresenta resíduos nos alimentos ingeridos pela população. Para isto, a capacitação técnica e o incentivo à pesquisa e à extensão agrícola são prioritários, devendo ser assim considerados para nosso país que possui destaque no setor agrícola mundial.
Artigo originalmente publicado em 26/05/2011
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