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Fabiana de Gois Aquino e Lidiamar Barbosa Albuquerque
02/03/2010
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Cobrindo, originalmente, cerca de dois milhões de quilômetros quadrados do território brasileiro, o Cerrado vem sendo palco, nas últimas cinco décadas, de grandes transformações na área agrícola e ambiental. O bioma tem experimentado rápida conversão de sua cobertura vegetal original devido à ocupação de terras para agricultura, pecuária e urbanização.
Estimativas sugerem que a cobertura vegetal original desse bioma se encontra em cerca de 50%. Nas áreas remanescentes, sobrevivem plantas, animais e microorganismos de grande importância ecológica e econômica. Para se garantir a preservação de pelo menos parte dessa biodiversidade, foi instituído o Código Florestal (Lei no. 4.771 de 1965), que limita e disciplina a utilização dos recursos naturais brasileiros. Entretanto, essa legislação vem sofrendo pressão para que seja alterada na tentativa de acomodar os interesses dos produtores rurais e dos ambientalistas.
O Código Florestal impõe o estabelecimento de reserva legal nas propriedades rurais. De acordo com a lei, a reserva legal é “a área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas”.
A legislação vigente estabelece um percentual mínimo de 80% de reserva legal na propriedade rural situada em área de floresta localizada na Amazônia Legal; 35% na propriedade rural situada em área de Cerrado localizada na Amazônia Legal e 20% nos demais ecossistemas e regiões do País (Lei no. 4.771 de 1965 – Código Florestal e Medida Provisória no. 2.166-67 de 2001). No caso da pequena propriedade ou posse rural familiar, é permitido o cômputo a partir do plantio de árvores frutíferas, ornamentais ou industriais para compensação ou manutenção da área de reserva legal.
Embora exista a lei que determina a manutenção da reserva legal, verifica-se a inexistência dessa figura em muitas propriedades rurais, uma vez que ela é entendida como um desperdício que representa “prejuízo” à propriedade. Contudo, essa visão pode ser modificada se analisarmos a reserva legal sob outro enfoque. Essas áreas são porções de ecossistemas que abrigam a flora e fauna nativa da região. A flora, adaptada historicamente ao ambiente em que se encontra, representa um banco de germoplasma natural, que conserva material genético de uso imediato ou com potencial de uso futuro, guardando respostas para diversos desafios pelos quais a agricultura vem passando e passará no futuro.
Além disso, a manutenção e averbação da reserva legal trazem vários benefícios ambientais e econômicos à propriedade, como: conservação do solo, dos corpos hídricos e da biodiversidade; provimento de inimigos naturais para o controle de pragas e doenças, em função de sua alta diversidade de plantas, animais e microorganismos; fornecimento de abrigo e alimentos para animais que polinizam e espalham sementes de espécies nativas de importância econômica e/ou ecológica; proteção do solo contra a erosão e a perda de nutrientes; melhoria na qualidade ambiental da propriedade; contribuição na preservação do ambiente para as gerações futuras e na conservação da água, fauna e flora.
Dentro desse contexto, cabe ressaltar os benefícios econômicos de se manter uma área de interesse ecológico como as reservas legais: 1) fiscais, no qual o proprietário, ao estar em conformidade com a legislação ambiental vigente, recebe isenção do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR (Lei no. 9.393 de 1966), além de prioridade na aquisição de crédito rural e concessões de benefícios no programa de infraestrutura rural e de fornecimento de mudas ecologicamente adaptadas para recompor a cobertura florestal; 2) coleta de sementes e produção de mudas de espécies nativas para recomposição de áreas degradadas, como mais uma alternativa de renda; 3) educação ambiental e ecoturismo podem ser desenvolvidos na área, dependendo da beleza cênica do local e do projeto educativo que se pretende, o que possibilitará a conscientização ambiental e divulgação dos produtos produzidos na propriedade; 4) apicultura, atividade que, dependendo do tamanho da área, aumentará a produtividade das culturas agrícolas, em função dos serviços ambientais como à polinização; além de disponibilizar ao produtor rural produtos como o mel, o pólen, a geléia-real, entre outros, complementando sua alimentação e possibilitando aumento de renda; 5) manejo florestal madeireiro mediante autorização do órgão ambiental e 6) outorga de recursos hídricos (lei de recursos hídricos nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, que outorga a cobrança pelo uso da água e redirecionando ao manejo de tal recurso para comitês de bacia, sob supervisão da Agência Nacional de Água - ANA).
Dessa forma, a sociedade e órgãos competentes devem incentivar a implantação e averbação da reserva legal nas propriedades rurais como instrumento indispensável para a conservação e o desenvolvimento de uma agricultura sustentável que garanta um ambiente e alimentos saudáveis às futuras gerações. Nesse contexto, é importante que os produtores rurais compreendam a importância das áreas remanescentes de Cerrado e passem a conservá-las, pois a decisão final sobre o destino de grande parte dessas áreas nativas está nas mãos deles.
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