O alto consumo de alimentos industrializados produzidos com elevados teores de gorduras (saturada e trans), açúcar e sódio, associados a uma dieta com baixa ingestão de fibras, ao sedentarismo e ao consumo de drogas lícitas, têm contribuído para o aparecimento e agravo de doenças crônicas não transmissíveis, como o diabetes, a pressão alta, a obesidade e doenças cardíacas, sendo estes, os principais problemas de saúde pública no Brasil. De acordo com dados da Pesquisa de Orçamento Familiar 2008-2009 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o consumo do pão francês – o mais consumido no país - é da ordem 53g de pão/dia e este alimento contribui para a ingestão de sódio da ordem 320mg/50g de produto, enquanto que a quantidade máxima a ser ingerida, segundo recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde), é de 2.000 mg de sódio por dia. Ou seja, apenas um pão francês de 50 gramas representa 16% da quantidade de sódio recomendada em um dia. E os demais derivados do trigo, qual sua participação no comprometimento da saúde pública do ponto de vista nutricional? A pesquisa tem tecnologias para melhorar o valor nutricional dos derivados do trigo?
Por outro lado, a mão-de-obra familiar, em especial das mulheres, está parcialmente ociosa. A falta de qualificação, de expectativas de um futuro melhor e a baixa autoestima são alguns dos fatores que fazem com que muitas mulheres pouco contribuam com a transformação social no âmbito familiar. Outras mulheres, já inseridas no mercado de trabalho, formal ou informal, em especial aquelas que têm como fonte de renda a produção artesanal de pães, além de outros produtos derivados de trigo, em geral, apresentam pouco conhecimento teórico que poderia alavancar seu negócio através da oferta de produtos mais variados, com melhor qualidade e inócuos, do ponto de vista higiênico-sanitário.
Os problemas acima apontados ocorrem tanto na população urbana como rural, e em diferentes classes sociais. Especificamente na população urbana de baixa renda e a rural, incluindo-se povos tradicionais como os quilombolas, têm, em muitos casos, menor acesso à informação veiculada em seu nível de compreensão. Desta forma, existe a tendência de perpetuar “formas de fazer e de viver” herdadas de seu grupo familiar e afins, com pouca inovação. Paradoxalmente, programas assistenciais que facultam o recebimento ou a aquisição de gêneros alimentícios, estimulam a substituição da dieta tradicional, mais diversificada e, por vezes, mais nutritiva, por produtos de fácil e rápido preparo, não necessariamente mais saudáveis.
No âmbito rural, agricultores familiares, incluindo-se os assentados e reassentados da reforma agrária e quilombolas, ressentem-se de informações técnicas que poderiam melhorar a qualidade de vida das famílias, do ponto de vista nutricional, e que estimulariam a geração ou incremento da renda desta população.
Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Panificação e Confeitaria, o consumo per capita de pães no Brasil é estimado em 33,5 kg/habitante/ano, enquanto o segmento de biscoitos é responsável pelo consumo de 6,3 kg/habitante/ano, de acordo com dados da Associação Nacional das Indústrias de Biscoitos, e as massas alimentícias têm apresentado consumo de 6,0 kg/habitante, segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Massas Alimentícias, Pão e Bolo Industrializados. Estes produtos, além de outros derivados de trigo, assumem grande importância na dieta do brasileiro, razão pela qual a Embrapa Trigo, no âmbito de suas atribuições, como Centro de Produto da Embrapa, iniciou, em 2003, uma Ação Social denominada “Melhoria da qualidade alimentar e geração de renda com produtos à base de trigo”. Os dois principais objetivos desta ação social são: proporcionar às famílias conhecimento e prática sobre alimentação básica nutritiva e saudável, visando ao bom desenvolvimento físico e mental; e qualificar pessoas para a fabricação de produtos à base de trigo para serem comercializados no mercado local ou para autoconsumo.
Este trabalho continua em execução e tem, ao longo do tempo, abrangido quatro públicos alvos principais dependendo da finalidade: formação de multiplicadores (assistência técnica, faculdades e cursos profissionalizantes) e, usuários diretos dos conhecimentos e das tecnologias repassadas nas capacitações (população urbana e rural).
O trabalho tem sido executado através de cursos com aulas teóricas e práticas, com constante estímulo a troca de experiências entre os participantes. Os principais tópicos abordados são: noções básicas de higiene no preparo de alimentos; principais ingredientes usados na produção de pães, bolos, cucas e bolachas; apresentação de diversas formas de consumo de trigo em grão e de seus derivados, em especial, usados em mistura com outros alimentos produzidos na propriedade, tais como hortifrutigranjeiros, grãos diversos, produtos lácteos e cárneos; alimentação saudável com produtos à base de trigo; e alternativas para a comercialização de alimentos, como feiras livres, Programa de Aquisição de Alimentos – PAA, Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE, criação de agroindústria familiar, entre outras. Durante os cursos são realizadas dinâmicas de grupo visando à interação e ao fortalecimento da autoestima dos participantes.
Em dez anos de projeto, foram treinadas mais de 1500 pessoas, em 47 cursos em todo o país, abrangendo os seguintes públicos-alvo: agentes de extensão rural e bem-estar social; alunos, professores e empregados de faculdades e cursos profissionalizantes; representantes e assistidos de entidades de combate à miséria, como comitês da cidadania, pastoral da criança, agentes da cáritas diocesana, associações de bairros, presidiários, assentamentos da reforma agrária e grupos organizados da agricultura familiar.
O reconhecimento do trabalho desenvolvido na difusão de conhecimentos e tecnologias para a fabricação de alimentos à base de trigo repassadas nos treinamentos está registrado através de iniciativas que resultaram em ações concretas, dentre as quais citam-se alguns exemplos: a Cooperativa de Costureiras Unidas Venceremos, instalada no bairro Sarandi, nos arredores de Porto Alegre (RS), formada por 25 costureiras, ampliou suas atividades com a montagem de uma panificadora, cujo projeto foi apresentado pelo COEP -RS e teve a participação da Embrapa Trigo, treinando as cooperadas para a produção de diversos tipos de pães e tornando a cooperativa fornecedora de produtos exclusivos e diferenciados. Em Nova Santa Rita, RS, beneficiárias do Programa RS Rural, o qual financiou agroindústrias locais, inclusive padarias, receberam treinamento em panificação artesanal, passando a oferecer à população deste município, produtos de panificação de melhor qualidade nutricional e sanitária. Em Passo Fundo, RS, foi instalada uma Cozinha Comunitária, incluindo uma padaria, localizada na Igreja São Judas Tadeu, na Vila Luíza, gerando renda para as famílias. Na Comunidade Quilombola Mormaça está sendo instalada uma padaria financiada pela Cáritas Diocesana de Passo Fundo, e com apoio da Prefeitura Municipal de Sertão, RS, objetivando o fornecimento de produtos para a merenda escolar municipal. No município de Candiota, RS, nove agricultoras dos Assentamentos de Santa Fé e São Pedro II foram contempladas com uma Padaria Comunitária, financiada pela INCRA, oferecendo para comercialização em eventos locais produtos que foram objeto de aprendizado no curso de panificação.
A ação social “Melhoria da qualidade alimentar e geração de renda com produtos à base de trigo” é desenvolvida por um grupo de empregados da Embrapa Trigo (Eliana Maria Guarienti, Helena Araújo de Andrade, Jorge Cerbaro, Paulo Ernani Peres Ferreira, Antonio Sérgio Brizola de Oliveira e Ellen Traudi Wayerbacher Rogoski) atendendo a missão orientadora da empresa em “viabilizar soluções de pesquisa, desenvolvimento e inovação na cadeia produtiva do trigo e outros cereais de inverno para competitividade e sustentabilidade da agricultura em benefício da sociedade brasileira”. Fazer um balanço das ações realizadas ao longo de uma década traz a satisfação do dever cumprido, gerando o desenvolvimento econômico, a inclusão social e a preservação do meio ambiente, condições estas que visam a redução da pobreza, da desigualdade social e colaboram com um mundo mais sustentável.
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