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Diego Freire, Agência FAPESP
09/09/2016
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Uma nova estratégia de combate ao vetor da bactéria responsável pelo greening, considerada a mais destrutiva doença dos citros no mundo e presente em 17% das laranjeiras no Estado de São Paulo, poderá ser desenvolvida a partir da descoberta de que três espécies de plantas do gênero produzem um óleo que repele o inseto.
Pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) envolvidos no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Controle Biorracional de Insetos Pragas, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela FAPESP, analisaram a composição química dos óleos essenciais produzidos por 22 espécies do gênero Citrus, que inclui a laranja, o limão e a tangerina. O objetivo foi compreender os efeitos dessas substâncias nos organismos que interagem com as plantas – entre eles, o Diaphorina citri, psilídeo vetor da bactéria Candidatus Liberibacter spp, causadora do greening. As análises foram feitas no âmbito do projeto temático Estudos integrados para o controle de formigas-cortadeiras, realizado com apoio da Fundação.
Diaphorina citri, vetor da pior doença dos laranjais de São Paulo e do mundo, não se sente atraído por óleos essenciais de três espécies de citros
Com apenas 3 mm de comprimento, o D.citri suga os brotos terminais das plantas, situados na ponta do caule, mas os danos diretos causados pela sucção contínua de seiva não representam prejuízos ao pomar. São os ovos do inseto que transmitem a bactéria – e uma única fêmea chega a colocar 800 ovos.
Os pesquisadores descobriram que o inseto tem preferência por depositar os ovos em algumas espécies cítricas em detrimento de outras. Duas delas, em especial, são pouco atrativas: Citrus reticulata, conhecida como tangerina murcote, e o híbrido de C. paradisi com P. trifoliata, o citrumelo Swingle.
“A composição química dos óleos voláteis dos 22 genótipos de citros e de outros gêneros afins era pouco diferenciada até então”, disse Maria Fátima das Graças Fernandes da Silva, do Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia (CCET) da UFSCar e coordenadora do INCT. “Técnicas de quimiometria [a aplicação de métodos estatísticos e matemáticos em dados de origem química] nos ajudaram a compreender melhor essas substâncias e sua capacidade de atrair ou repelir o psilídeo”, acrescentou.
Entre os achados da análise está a preferência majoritária do psilídeo pela Murraya paniculata, originária da Ásia e muito utilizada no Brasil como planta ornamental, conhecida nacionalmente como dama-da-noite ou jasmim-laranja. O resultado da análise química dos óleos essenciais da planta a confirmam como principal hospedeiro do inseto.
Essa planta, segundo a pesquisadora, tem sido erradicada de cidades produtoras de citros porque, apesar de não pertencer a esse grupo, a preferência do psilídeo por ela, que o atrai, é associada à contaminação dos pomares.
“Agora conhecemos a substância produzida pela planta responsável por essa atração e também os óleos produzidos pelos genótipos de citros que têm a mesma capacidade de atrair o inseto, facilitando a contaminação”, conta a pesquisadora.
Já os genótipos menos interessantes para o psilídeo têm, em comum, a presença de três compostos encontrados apenas em seus óleos essenciais: fitol, (Z)-beta-ocimeno e beta-elemeno. Para os pesquisadores, tais compostos podem agir como repelente, tornando os óleos dessas plantas menos atraentes para o inseto depositar seus ovos.
Odores
A hipótese de que certos citros poderiam apresentar alguma resistência às investidas do inseto Diaphorina citri surgiu no Centro de Citricultura Sylvio Moreira, em Cordeirópolis, no interior paulista, onde já se havia observado que algumas das 22 espécies cultivadas no local eram mais escolhidas pelo psilídeo, enquanto outras eram preteridas. Pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq) identificaram aquelas supostamente menos interessantes e, em seguida, o grupo da UFSCar investigou quais as substâncias produzidas por elas que poderiam causar a repelência observada.
Por meio de cromatografia gasosa, técnica usada em química orgânica para separação de compostos, os pesquisadores obtiveram todos os constituintes de cada óleo dessas plantas, que foram analisados por um espectrômetro – equipamento que mede a massa das moléculas e, com base nessa informação, permite a identificação de cada composto.
Para verificar a capacidade de atrair ou repelir o psilídeo, os pesquisadores utilizaram um tubo em formato de Y em que o inseto é posicionado na base e dois óleos são colocados em cada saída. O inseto sente, então, o odor do vapor gerado pelos óleos e os pesquisadores observam, repetidas vezes, para qual entrada ele se dirige. Cálculos matemáticos ajudam a determinar o quanto as substâncias de cada óleo são atraentes ou repelentes.
“A atração pelos óleos de Citrus reticulata e citrumelo Swingle foi muito baixa, o que nos levou a considerar uma capacidade repelente dos seus compostos e seu potencial para o desenvolvimento de estratégias de proteção das plantas com base nesse conhecimento”, diz Fernandes da Silva.
Os pesquisadores trabalham agora para realizar análises em um eletroantenograma, equipamento que permite avaliar a resposta da antena de insetos a estímulos químicos, com o objetivo de descobrir por que esses óleos provocam a repelência. Quando associado à cromatografia e sabendo-se que determinado extrato de planta repele um inseto-alvo, esse extrato pode ser analisado por meio da tecnologia para que seja identificada qual molécula em específico é responsável por provocar a resposta.
Enxertos
O cultivo de citros no Brasil é feito, em sua maioria, não por meio da plantação de sementes, mas com o uso de enxertos – método de formação de mudas em que o broto de uma planta é implantado na base de uma muda de uma segunda planta, geralmente de outra espécie. A enxertia pode ser utilizada para gerar mudas de plantas de difícil reprodução ou para aproveitar características das duas espécies.
Ainda não existe uma variedade comercial de copa ou de enxerto de citros resistente ao greening. Plantas novas contaminadas não chegam a produzir e as que já estão em produção apresentam grande queda de frutos. O controle efetivo da doença tem sido feito por meio de inspeção constante e eliminação imediata de plantas com sintomas.
Também conhecida como Huanglongbing (HLB) ou popularmente como amarelão dos citros, o greening é doença originária da Ásia. Identificada no Brasil em 2004, a doença está presente em todas as regiões citrícolas de São Paulo e em pomares de Minas Gerais e Paraná. Está presente também em outros países produtores de citros, como México e Estados Unidos. No estado da Flórida – o maior concorrente mundial do Brasil na produção de laranja e onde a doença surgiu em 2005 –, o greening já atingiu entre 80% e 90% dos pomares e afeta cerca de 70% das plantas.
“Trata-se de um problema muito grave na citricultura brasileira e mundial. Pomares com altas incidências da doença devem ser inteiramente eliminados, erradicando-se as plantas com e sem sintomas, garantindo que nenhuma eventual fonte de contaminação para outras plantas e pomares permaneça”, diz Fernandes da Silva.
De acordo com a pesquisadora, a descoberta de óleos que não são de interesse do inseto pode ser importante para o aprimoramento da enxertia. “Na ausência de uma planta fortemente resistente ao greening, poderiam ser produzidos enxertos com aquelas que, agora, sabemos ter algum efeito repelente contra seu vetor.”
Um índex com a capacidade de atração e repelência de cada espécie analisada e os demais resultados da pesquisa são apresentados no artigo Essential Oil Variation from Twenty Two Genotypes of Citrus in Brazil – Chemometric Approach and Repellency Against Diaphorina citri Kuwayama, publicado na revista Molecules e disponível em www.mdpi.com/1420-3049/21/6/814. Além de Fernandes da Silva, assinam o artigo Moacir dos Santos Andrade, Leandro do Prado Ribeiro, Paulo Cesar Borgoni, Moacir Rossi Forim, João Batista Fernandes, Paulo Cezar Vieira, José Djair Vendramin e Marcos Antônio Machado.
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