O Sistema Plantio Direto (SPD), baseado na ausência de revolvimento do solo, manutenção de palha na superfície do solo ao longo do ano e pela rotação de culturas, expandiu-se em diversas lavouras cultivadas em todo Brasil, viabilizando a atividade agrícola nos aspectos quantitativos e qualitativos. Além do mais, muitos trabalhos na literatura dão enorme embasamento sobre a viabilidade da adoção dessas técnicas conservacionistas. No entanto, dentre os três fatores supracitados, a rotação de culturas provavelmente é a prática menos adotada, o que acaba limitando os benefícios oriundos do SPD. Atualmente, em grande parte das regiões agrícolas do Brasil, o sistema de produção é baseado na sucessão de cultivos, como a “dobradinha” soja/milho.
Depois de intensos esforços da pesquisa e do setor produtivo nas últimas décadas para consolidação do SPD, esse modelo atual de produção predominante, com sucessão de cultivos, vem apresentando alguns entraves, principalmente relacionados à fitossanidade da lavoura e à qualidade do solo, demonstrando que práticas agrícolas adequadas devem ser empregadas para superar essas dificuldades, fortalecendo novamente o SPD.
Qualidade do solo
Os efeitos de boas práticas conservacionistas no solo, pela adequada condução do SPD, podem ser constatados nas propriedades físico-hídricas, químicas e biológicas do solo. Quanto aos atributos físico-hídricos, destaca-se o maior armazenamento de água no perfil do solo. Nos atributos químicos do solo, a reciclagem de nutrientes é intensa, diminuindo as perdas por lixiviação. Alterações provocadas pelo plantio direto e sistemas de rotação de culturas podem afetar positivamente as populações de bactérias fixadoras de nitrogênio e também de outros micro-organismos do solo, dada a grande variação na incorporação dos resíduos, afetando diretamente a mineralização da matéria orgânica do solo. Em contrapartida, na safra 2015/2016, em função dos elevados índices pluviométricos na região centro-sul, ficou evidente o resultado de práticas inadequadas de manejo de solo que vêm sendo adotadas, com aumento de áreas em processo erosivo, o que vai em sentido contrário a esses benefícios do SPD.
Fitossanidade
Quanto aos aspectos fitossanitários, boas práticas agrícolas são negligenciadas, como rotação de culturas, mistura apropriada de produtos, rotação de princípios ativos de defensivos agrícolas, monitoramento da área para avaliar a necessidade de manejo químico na época e dose adequadas, além de aplicações calendarizadas. Como consequência, o que não era considerado problema fitossanitário da lavoura passa a ser. E o que já era um problema, parece estar pior. Há diversos casos que retratam fielmente essa situação: na área de plantas daninhas, o aparecimento de espécies resistentes e tolerantes a alguns herbicidas; quanto às pragas, menor eficiência dos inseticidas e das tecnologias transgênicas (Bt), além da migração de espécies entre as culturas; para as doenças, maior dificuldade de controle da ferrugem asiática da soja decorrente da menor efetividade dos fungicidas. Ou seja, a continuidade da sucessão de cultivos, como exemplificado pela soja/milho, tende a acentuar esses problemas.
Diversificação de cultivos
O sucesso da rotação de culturas é extremamente dependente da região produtiva e condições climáticas. Ou seja, naqueles locais com outono/inverno de temperaturas mais amenas e maior oferta de chuvas, como no Centro-Sul do Brasil, há mais alternativas para o cultivo de outras espécies em rotação, como culturas graníferas já tradicionais, o que pode resultar em retorno econômico em curto prazo. Por outro lado, na região Centro-Oeste, as condições são mais limitantes, decorrentes de um período de entressafra mais quente e menor disponibilidade hídrica, dificultando a produção e manutenção de palha na superfície do solo ao longo do ano. Nesse caso, as culturas comerciais perdem espaço, sendo necessário valorizar os benefícios que a diversificação de cultivos com espécies alternativas trará a médio/longo prazo, resultando em maior estabilidade da atividade agrícola.
Nesse contexto, a alternância de cultivos e inclusão de forrageiras no sistema de produção, solteiras ou em consórcio com o milho, por exemplo, é fundamental para maior aporte de resíduos ao solo. A soja é uma espécie que deixa no solo baixa quantidade de resíduos após a colheita. Para piorar a situação, como se trata de uma leguminosa, seus resíduos apresentam rápida decomposição. O milho cultivado em sucessão, apesar de maior produção de biomassa que a soja, também deixa um aporte de resíduos insuficiente para a próxima safra de verão, o que resultará em um cultivo de soja suscetível à ocorrência de veranicos.
As gramíneas, como braquiárias, milheto, sorgo e capim-pé-de-galinha produzem um sistema radicular volumoso, com grande capacidade de explorar o perfil do solo. Em contrapartida, espécies com sistema radicular pivotante, como o guandu, crotalária e o nabo forrageiro, produzem menor quantidade de bioporos, apesar de possuírem maior capacidade de romper camadas compactadas. As raízes, após penetrarem em camadas compactadas do solo e sofrerem o processo de decomposição, criam bioporos no perfil do solo, facilitando o crescimento de raízes das culturas sucessoras assim como o movimento de água, ar e fertilizantes.
Os sistemas de produção integrados, como o ILP (integração lavoura-pecuária), têm sido viabilizados nessas condições de ambientes mais restritivos, devido principalmente às características das gramíneas forrageiras, como as braquiárias. Enquanto as espécies anuais finalizam o ciclo durante a entressafra, entrando em estágio de decomposição e favorecendo a infestação de plantas daninhas, essas forrageiras continuam o processo de crescimento de parte aérea e raízes, mesmo em condições de baixa oferta hídrica, o que favorecerá o ambiente para cultivo da espécie em sucessão. Vale ressaltar que não há obrigatoriedade da presença de animais e integração das atividades agrícola e pecuária. O uso dessas forrageiras pode ser apenas com o objetivo de explorar características favoráveis dessas espécies e que serão benéficas para as culturas comerciais em sucessão.
De fato, a escolha de espécies para diversificação do sistema de produção não tem uma regra padrão. Devem ser levadas em consideração as condições da propriedade, da região, maquinário, etc. Por outro lado, se bem adotada, com certeza trará maior estabilidade da atividade agrícola, além de ajudar a superar esses entraves atuais de qualidade do solo e fitossanitários que a contínua sucessão de cultivos vem ocasionando.
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