|
|
Marina Torres, Embrapa Milho e Sorgo
11/01/2016
|
Carregando...
No interior de Minas Gerais, em comunidades onde faltava água, hoje os produtores criam peixes e irrigam hortas. Com a construção de barraginhas, pequenas bacias para captar enxurrada, a realidade de várias famílias se transformou.
Na comunidade Fazendinhas Pai José, no Município de Araçaí, região Central de Minas, as cisternas, ou cacimbões, são a única fonte de abastecimento de água em muitas propriedades. Durante vários anos, os poços chegavam a secar nos períodos de estiagem, mas a construção das barraginhas alterou o cenário local.
O agricultor Dimas Marques Sobrinho conta que sempre mediu o nível de sua cisterna. "A minha dava um metro e meio de água. Depois das barraginhas, passou a dar 11 metros. E não foi só a minha, foi de todo mundo que aumentou", diz, satisfeito.
As barraginhas retêm as enxurradas e fazem a água da chuva se infiltrar no solo. Assim, recarregam o lençol freático, que fica com o nível mais elevado. A tecnologia social, além de aumentar a disponibilidade de água na região, preserva o terreno, já que, ao conter as enxurradas, evita erosão.
O engenheiro-agrônomo da Embrapa Milho e Sorgo (MG) Luciano Cordoval, coordenador do Projeto Barraginhas, explica que a tecnologia ajuda a aproveitar de forma eficiente as chuvas irregulares e intensas. E, com o aumento da disponibilidade de água nas propriedades, tornou-se possível construir e abastecer pequenos lagos lonados, os chamados lagos de múltiplo uso, que podem ser utilizados como criatórios de peixes, reservatórios para irrigação ou abastecimento.
Diferentemente das barraginhas, que fazem a infiltração da água no solo, os pequenos lagos são impermeabilizados com o uso de uma lona de plástico, coberta por uma camada de terra. Abastecidos pelas águas que aumentam nas cisternas, ou cacimbões, os lagos também podem receber chuvas captadas nos telhados e direcionadas para os reservatórios.
Ao longo dos anos, os efeitos benéficos das duas tecnologias foram percebidos em diversas comunidades. Os produtores participam do projeto, indicando os locais onde correm as enxurradas e aprendendo a construir as pequenas bacias de captação.
"No Cerrado, o objetivo principal é controlar a erosão causada pelas enxurradas. Como efeitos colaterais, temos o umedecimento das baixadas, que favorece as lavouras, e a revitalização dos cursos d'água a partir da recarga do lençol freático. Já no Semiárido, o mais importante é colher a irregularidade da chuva, aproveitar os momentos de chuva intensa. Porque, se não for captada, a água vai embora. Como os solos são rasos, a umidade se espalha e favorece a agricultura", explica Cordoval.
Geraldo Saldanha, morador da comunidade Fazendinhas Pai José, percebeu melhorias na agricultura. "As enxurradas iam embora arrebentando tudo e ficava a terra seca. Aí vieram as barraginhas e mudou o sistema. As plantas sobressaem mais, conservam e estão produzindo mais. A terra ficou melhor. Eu recomendo fazer barraginha. Não ficar com economia em usar um pedaço do terreno, porque é lucro em outras coisas. Vai ter recompensa. A natureza vai mudar totalmente".
O uso complementar das barraginhas e dos lagos de múltiplo uso, considerados tecnologias sociais, tem tornado realidade o sonho de muitos produtores de criar peixes e poder pescar.
Para o produtor Geovano Vicente Morais, também morador da comunidade Fazendinhas Pai José, o lago, além da realização de um sonho, é uma terapia. "Eu tinha vontade de comprar terreno em beira de rio, mas não tive condição. Então, esse lago foi uma bênção pra mim," comemora.
Luciano Cordoval diz que a experiência da integração entre barraginhas e lagos abastecidos por cisternas pode ser replicada em toda região de latossolo vermelho e amarelo, que é poroso e predomina no Brasil Central. O modelo pode ser adotado com um pequeno investimento. Os minilagos de 14 metros de diâmetro, por 1,2 metro de profundidade gastam quatro horas de máquina do tipo pá carregadeira e 30 metros de lona de oito metros de largura.
Tecnologia premiada
Vencedor do prêmio Fundação Banco do Brasil em 2005 na categoria recursos hídricos, o projeto "Integração das Tecnologias Sociais Lago de Múltiplo Uso e Barraginhas" espalhou-se pelo País com o apoio de associações, prefeituras e da estatal brasileira de petróleo, a Petrobras. Mais de 150 mil barraginhas já foram instaladas e estão espalhadas no Distrito Federal e em 11 estados: Minas Gerais, Piauí, Ceará, Mato Grosso, Goiás, Tocantins, Rio de Janeiro, Sergipe, Bahia, Pará e São Paulo. Além disso, a divulgação da tecnologia já estimulou a implantação de outras milhares de pequenas barragens por todo o País. Mas, certamente, os principais resultados são as transformações de paisagens e aumento da qualidade de vida de milhares de pequenos produtores.
Como tudo começou
A barraginha é uma tecnologia simples e surgiu da observação de um barramento natural ocorrido após uma forte chuva no início da década de 1980. "Foi num ano seco e não chovia há mais de dez meses no semiárido norte-mineiro. Aí aconteceu um temporal rápido, caindo 40 mm de uma chuva intensa, correndo muita enxurrada. Depois, andando a cavalo por uma fazenda, um lugar chamou minha atenção. Esse ponto parecia um minioásis no formato de um lago. Estava verde, com uma relva densa. Nas outras áreas, a chuva não tinha sido suficiente para estimular a brotação das pastagens, estava tudo ainda aparentemente desertificado", conta o engenheiro-agrônomo Luciano Cordoval.
Cordoval observou o fenômeno e percebeu que a água da chuva, por estar sobre um terreno frágil, sujeito à erosão, abriu uma fissura, escavando e carreando terra, que se depositou mais abaixo, formando um barramento natural. "Essa lama depositada foi suficiente para parar a enxurrada, encheu uma bacia rasa. E creio que se infiltrou logo, e as sementes misturadas na lama germinaram, formando esse tapete verde, com o formato do lago criado."
Durante a observação, Cordoval se lembrou de experiências que havia conhecido em Israel. "Em 1976, durante um curso, eu fazia uma viagem e, numa parada, vimos pontos verdes ao longe no deserto do Neguev. O guia explicou que nos pequenos vales, grotas suaves, eles fazem barramentos e deixam à espera de chuvas. Vindo as chuvas, os pequenos açudes enchem parcialmente e, assim que a água infiltra, forma-se uma lama. Ali, plantam mudas de eucaliptos, fazendo covas nesses barramentos umedecidos. À medida que o local vai secando, as raízes vão se aprofundando atrás da umidade e resistem até o próximo evento de chuvas".
Cordoval conta que decidiu aproveitar as duas experiências como inspiração para a criação da tecnologia. "A partir daí, comecei a rascunhar desenhos. Começavam ali as barraginhas," lembra.
Reportagem originalmente publicada em 12/2/2015
|