O milho Bt atualmente comercializado no Brasil pode expressar em seus tecidos eventos com uma, duas ou até três proteínas obtidas da bactéria Bacillus thuringiensis, e tem como pragas-alvo as espécies de lepidópteros, que causam prejuízos a essa cultura. O principal papel do milho Bt no manejo de pragas é reduzir os danos causados pelas lagartas, consequentemente essa tecnologia trouxe consigo outras características, como a redução da dependência de inseticidas químicos, o que fortalece a biodiversidade, aumentando o controle biológico natural e oferecendo maior oportunidade para o controle biológico artificial. Além disso, são inegáveis os benefícios como a otimização das tarefas de tratos culturais. Entretanto, a utilização do milho Bt demanda práticas como o uso da área de refúgio e o cumprimento das normas de coexistência com as cultivares convencionais, que começam a fazer parte das estratégias dos empreendimentos agrícolas.
Entre as espécies-praga que ocorrem na cultura do milho, é conhecida a eficiência do Bt no controle da lagarta-elasmo (Elasmopalpus lignosellus), da lagarta-do-cartucho (Spodoptera frugiperda), da broca-do-colmo (Diatraea saccharalis), da lagarta-da-espiga (Helicoverpa zea) e da lagarta-rosca (Agrotis ipsilon). Por outro lado, têm sido notificados, no Brasil, casos de ineficiência de proteínas usadas no milho contra alguns lepidópteros-praga de ocorrência esporádica, como a lagarta-do-trigo (Mythimna sequax), e pouco se sabe sobre a atividade do Bt no controle do curuquerê-dos-capinzais (Mocis latipes) e da Helicoverpa armigera, recém-detectada no país. Entretanto, a praga que os produtores de milho consideram chave na cultura é a lagarta-do-cartucho-do-milho (LCM), pois além de sua ocorrência todos os anos atacando o milho, o sorgo e o milheto em toda a zona tropical das Américas, é uma espécie de difícil controle.
Para o manejo da lagarta-do-cartucho, o produtor tem encontrado dificuldades, sobretudo quando comparada a outras espécies em milho. Essas dificuldades decorrem de fatos ligados à própria complexidade de aplicar os conceitos do MIP, como a definição dos níveis de ação, a bioecologia do inseto, o grande efeito ambiental sobre o potencial produtivo da cultura e a flutuação do valor da produção. Sabe-se que a redução da produção é proporcional ao potencial de produção, representando um percentual que varia em função do estádio de desenvolvimento vegetativo em que a planta sofre infestação variando de 17% nos primeiros estádios a 34% nos últimos.
Antes do uso do milho Bt, os levantamentos de campo indicavam que em média o produtor que usa tecnologia utilizava na sua lavoura três aplicações de inseticida para o controle da LCM. Na região oeste do Paraná, por exemplo, os monitoramentos de pragas nas lavouras de milho revelaram que grande parte dos produtores, mais de 90%, adotava métodos de controle para essa praga, no entanto menos de 20% obtiveram eficiência. Além disso, duas outras espécies-praga do milho, a lagarta-da-espiga e a broco-do-colmo, não contavam com métodos eficientes de controle e o produtor convivia com seus danos e prejuízos. Por isso, quando o milho Bt foi lançado no mercado brasileiro em 2008, bastaram três anos para essa tecnologia dominar o mercado, tendo em vista sua eficácia.
Entretanto, cinco anos após a primeira utilização do milho Bt no Brasil, vários registros de quebra de funcionalidade, sobretudo para a lagarta-do-cartucho, têm sido detectados pelos produtores, mas, até o momento, nenhuma confirmação científica de resistência das pragas aos eventos Bt foi registrada.
A seleção de raças de insetos resistentes às proteínas Bt é sem dúvida a maior ameaça a essa tecnologia. Trabalhos recentes sobre esse risco têm mostrado a evolução da resistência em campo da lagarta-da-espiga do milho (Helicoverpa zea) e de larvas-de-diabrótica (Diabrotica v. virgifera) nos Estados Unidos da América; da lagarta-rosada (Pectinophora gossipiela) na Índia; da broca-do-colmo (Busseola fusca) na África e da lagarta-do-cartucho (Spodoptera frugiperda) em Porto Rico. Por outro lado, desde 1997, para a primeira praga-alvo controlada pelo milho Bt nos EUA, a lagarta-europeia-do-milho (Ostrinia nubilalis), até hoje não se tem registro da sua resistência às proteínas Bt. Portanto, os problemas devem ser tratados caso a caso e o mais importante é levar a sério as estratégias para o manejo da resistência.
É importante salientar que os eventos Bt comportam-se de forma distinta para cada espécie de lepidópteros-praga. Ou seja, não se espera o mesmo nível de eficiência para todas as espécies de lagartas que ocorrem na cultura do milho. Também condições de estresse, como seca, podem alterar a expressão da proteína na planta. Sabe-se, além disso, que a suscetibilidade natural de populações dessa praga à toxina Bt é variável. Dados preliminares de experimentos desenvolvidos na Embrapa Milho e Sorgo mostram que existe diferença na suscetibilidade de populações de Spodoptera frugiperda, coletadas em diferentes regiões produtoras de milho no país, às proteínas Bt expressas nos materiais comerciais disponíveis. Assim, são necessários dados do monitoramento da suscetibilidade de populações nas regiões que produzem milho no Brasil.
O monitoramento da eficácia dos eventos Bt utilizados nas lavouras deve servir como balizamento para a escolha dos eventos transgênicos a serem plantados na safra seguinte. Assim, o produtor deve conhecer todas as proteínas inseticidas expressas em cada evento e evitar o uso de eventos contendo a mesma proteína inseticida em toda sua lavoura, bem como o plantio daqueles híbridos expressando proteínas que apresentaram menor eficácia no controle das lagartas que ocorreram na sua lavoura na safra anterior. É o que podemos chamar de “rotação de genes” ou de proteínas inseticidas. Nesse item, destaca-se que os eventos disponíveis no Brasil, para as culturas da soja e algodão, podem expressar as mesmas proteínas inseticidas que aquelas presentes no milho (Tabela 1). Dessa forma, deve-se selecionar, quando possível, eventos para milho, soja e algodão evitando sobreposição de proteínas inseticidas, com o intuito de reduzir a pressão de seleção naquela área.
Para evitar a evolução da resistência de insetos nas lavouras plantadas com cultivares transgênicas resistentes às lagartas, é necessário utilizar as seguintes estratégias: a) expressão de alta dose da proteína Bt no híbrido transgênico (questão ligada às empresas detentoras dos eventos) e b) utilização da área de refúgio, que depende da decisão do produtor em fazê-la. Outras questões podem contribuir para retardar a evolução da resistência de insetos, como a presença de plantas hospedeiras das lagartas e de agentes de controle biológico na área do cultivo.
As empresas fornecedoras de sementes modificadas geneticamente têm feito um esforço no sentido de desenvolver tecnologias e novas proteínas e combinações além das já liberadas para comercialização. Um híbrido de milho expressando eventos com mais de uma proteína inseticida apresenta maior eficácia no controle das pragas-alvo, bem como atividades sobre outras espécies não controladas por algumas das proteínas Bt isoladas. Assim, têm sido obtidos efeitos de alta dose para algumas espécies não atingidas pelas proteínas individualmente. Esse é um fato importante para o manejo da resistência dos insetos aos eventos Bt. Por outro lado, há uma necessidade urgente de o produtor entender e incluir a área de refúgio colocada de forma correta na sua lavoura, pois apesar de bastante divulgada essa prática tem sido muito pouco adotada pelos produtores. Na sequência, os primeiros produtores a sofrerem com a quebra da resistência serão aqueles que não utilizam a área de refúgio e os próximos serão seus vizinhos, mesmo que estes utilizem o refúgio. Portanto, a questão do uso da área de refúgio é uma questão de convivência sustentável com o ambiente e com a comunidade de produtores de determinada região.
Em lavoura monitorada do Sul de Minas Gerais, observou-se que os danos causados pela LCM na área de refúgio reduziram significativamente a produção de grãos quando comparada à obtida na área de milho Bt, passando de 184 sacas/ha para 149 sacas/ha, mesmo fazendo-se uma aplicação de inseticida. No entanto, o produtor precisa ter uma visão sustentável de suas lavouras, pois mesmo com essa possível redução na produtividade, o plantio da área de refúgio irá manter a funcionalidade da tecnologia, que é de interesse de todos. Portanto, o uso responsável do milho Bt, seguindo rigorosamente todas as recomendações técnicas de manejo de pragas, é o único caminho seguro para a superação das limitações da tecnologia.
Num passo seguinte, estamos assistindo à busca, por parte dos produtores, da conciliação das estratégias de Manejo Integrado de Pragas (MIP) e à busca por soluções de maior sustentabilidade no campo que visam favorecer o aumento do equilíbrio natural do sistema, como o uso de agentes de controle biológico que são compatíveis com a utilização de plantas Bt e que são fundamentais para a manutenção do sistema em médio e longo prazo. A preocupação com o uso adequado das estratégias de manejo de resistência de insetos, como a área de refúgio, começa a tomar força. O uso adequado dos princípios de alta dose, área de refúgio, além da rotação de proteínas Bt em uma mesma área são conceitos que precisam ser mais bem compreendidos e adotados por todo o segmento que utiliza essa tecnologia. Deve-se compreender o papel do milho Bt como uma ferramenta dentro do Manejo Integrado de Pragas e não como uma única estratégia de controle de pragas a ser implementada nas lavouras.
Evidentemente, a demanda por conhecimento da ecologia das espécies-praga dentro do agroecossistema se torna cada vez mais crítica e os investimentos nessa área de pesquisa precisam ser cada vez mais enfatizados, pois viabilizarão a evolução do MIP numa única lavoura para um manejo regional das espécies-chave dentro do conceito de manejo de pragas em grandes áreas (Area-Wide Control).
Tabela 1 – Eventos expressando proteínas do Bt disponíveis no mercado brasileiro e suas respectivas proteínas inseticidas. Adaptado de http://is.gd/XhRXXL
|
Renato Roscoe
11/07/2013 - 12:35
Prezados Dr. José Waquil e Dra. Simone Mendes,
Parabéns pelo excelente artigo! Extremamente esclarecedor! As discussões sobre este tema são estratégicas para os produtores rurais de todo o Brasil. Em uma discussão realizada aqui em Mato Grosso do Sul, nos foi colocado que há sérias limitações na utilização do chamado "refúgio no saco", ou seja, sementes convencionais misturadas na proporção adequada com a semente transgênica no próprio saco. Poderiam comentar sobre esse ponto? Grato e novamente parabéns pelo excelente artigo! Renato Roscoe, Fundação MS
Clenio Araujo
15/07/2013 - 16:04
Posto, a seguir, resposta dos autores do artigo:
"Prezado Renato,
Obrigado pelo seu comentário que toca num ponto muito relevante e que escapou da nossa análise. Essa questão do refúgio tem gerado muita preocupação entre os detentores das tecnologias Bts como, também, entre os técnicos envolvidos no tema e que não são ligados diretamente às empresas. Assim, gostaríamos de incluir ainda nesse comentário mais um aspecto relevante relacionado ao tema. Trata-se do aspecto legal. Por lei, o produtor tem que usar as práticas relacionadas à coexistência entre milho convencional e transgênico. Mas o uso da área de refúgio é obrigatório por força de contrato. O produtor ao abrir o saco de semente de milho Bt assume, perante a lei, o cumprimento de todos os requisitos descritos na embalagem, o que inclui o uso do refúgio. Assim, as empresas têm investido em campanhas de esclarecimentos e conscientização dos produtores da necessidade do uso das boas práticas, para o "Manejo Integrado da Tecnologia Bt" que envolve ênfase no uso de Área de Refúgio.
Alternativamente, o REFÚGIO NO SACO está sendo avaliado. Existem alguns questionamentos sobre essa estratégia, mas a relação custo/benefício tende a ser significativamente positiva no nosso entendimento. Argumenta-se da possibilidade de lagartas maiores desenvolvidas no milho não-Bt (refúgio) migrarem para plantas do milho Bt, causando danos e acelerando a seleção de insetos resistentes. Esse argumento, embora possível, é muito pouco provável, pois, as principais pragas alvo do milho Bt, logo após os primeiros instares, têm o hábito de penetrarem no cartucho (Spodoptera frugiperda), no colmo (Diatraea saccharalis) e na espiga (Helicoverpa spp.). Com exceção das brocas-do-colmo, que completam a fase de larva e pupa na galeria, as outras duas espécies só saem naturalmente, do cartucho ou da espiga, depois de completarem a fase larval, quando interrompem a alimentação e caem no solo, onde completam a fase de pupa. Além disso, está provado que o milho Bt tem um alto grau de não-preferência, portanto, o que normalmente acontece é a migração de lagartas recém-eclodidas no milho Bt migrarem para as plantas de milho não-Bt (refúgio). Adicionalmente, se argumenta que não haverá como pulverizar o refúgio para fazer controle. Isso é verdade, mas como o objetivo do refúgio é produzir insetos suscetíveis, o que se torna necessário é quantificar a proporção ideal de refúgio para garantir a produção mínima necessária para prevenir cruzamentos entre dois indivíduos emergidos no milho Bt, utilizando o mínimo necessário de refúgio sem controle. Como se utiliza o controle (geralmente o químico) na área de REFÚGIO ESTRUTURADO, se assumir a eficiência de 100% do método de controle, o produtor não estará usando nenhum refúgio. O Refúgio no Saco ainda tem as seguintes vantagens: uma melhor distribuição das plantas não-Bts no campo, o que gera uma melhor distribuição dos insetos suscetíveis na lavoura, facilitando o encontro destes com os emergidos do milho-Bt; uma maior eficiência dos agentes de controle biológico que estarão melhores distribuídos na lavoura e dispensa o trabalho do produtor em instalar o Refúgio Estruturado. Por outro lado, haverá mais trabalho para as empresas que terão que fazer uma série de ajustes ao processo de produção e beneficiamento visando a mistura. Por exemplo, será necessário compatibilizar a proporção dos genótipos a serem produzidos, o ciclo dos híbridos e a seleção de peneiras. Em compensação, haverá a garantia do uso do refúgio em 100% da área cultivada com o milho Bt.
Waquil e Simone"
|