No sistema plantio direto (SPD) os restos culturais deixados na superfície do solo podem criar condições favoráveis à sobrevivência e multiplicação de algumas pragas que atacam as culturas e de alguns patógenos causadores de doenças às plantas cultivadas. Para minimizar os problemas com o ataque de pragas e a incidência de doenças, a rotação de culturas, a utilização de sementes sadias e o tratamento de sementes devem ser práticas obrigatórias no SPD.
A rotação de culturas é caracterizada pelo cultivo de diferentes espécies, em safras subseqüentes, na mesma área, ou seja, cultiva-se, por exemplo, soja numa safra e na safra seguinte cultiva-se milho, sorgo ou algodão. Nesta situação a palha da soja sofre degradação pela ação decompositora dos microrganismos do solo, de tal maneira que um possível inóculo de doença presente nos resíduos vegetais é eliminado ou mantido abaixo do limiar numérico capaz de causar infecção para a nova lavoura de soja a ser plantada na área.
Ela normalmente é confundida com a sucessão de culturas, que consiste no cultivo de uma cultura principal, por exemplo, soja precoce seguida do cultivo de milho safrinha, sorgo ou milheto.
Na sucessão, na safra seguinte volta-se a cultivar a soja, porém os resíduos vegetais da soja cultivada na safra anterior não foram completamente decompostos e podem conter o inóculo de doenças. Havendo condições favoráveis à ocorrência da doença (umidade, temperatura e luminosidade) ela pode se multiplicar rapidamente provocando uma epidemia, que pode causar grandes prejuízos econômicos.
No SPD, no plantio das culturas preconiza-se a utilização de sementes certificadas de alta pureza e sadias (livre de inóculo de patógenos), as quais devem ser tratadas com fungicidas recomendados pela pesquisa e registrados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Para o controle de doenças no SPD, além da aplicação de fungicidas destacam-se algumas medidas preventivas de manejo: uso de espaçamento maior entre linhas no plantio das culturas para a aumentar a insolação e a ventilação nas entrelinhas; redução da densidade de plantas por área adequada para reduzir a competição entre plantas e favorecer o seu crescimento e fortalecimento individual; eliminação de plantas que crescem após a colheita (conhecidas como plantas voluntárias, guachas ou tigueras) para que patógenos não sejam mantidos no campo até o próximo plantio, prática conhecida como dessecação pós-colheita; adoção do vazio sanitário, ou seja, período em o cultivo de determinada cultura é proibido, para evitar a formação e multiplicação de inóculo, como adotado no manejo da ferrugem asiática da soja; adoção da rotação de culturas com seqüência de espécies de plantas adequadas de tal modo que não sejam mantidos patógenos no campo no mesmo ano agrícola; o manejo da fertilidade do solo mantendo o equilíbrio dos nutrientes, em especial do nutriente potássio (K), que confere maior resistências às doenças; e o aumento da atividade supressiva do solo, que é proporcionado pelo aumento da atividade biológica, condicionada pelo incremento do teor de matéria orgânica do solo, advindo da maior formação de palhada e da sua manutenção na superfície do solo.
Na análise de risco de ocorrência de doenças e de pragas devem ser considerados fatores inerentes ao patógeno e/ou à praga (ciclo biológico, dinâmica populacional, dispersão, sobrevivência, condições favoráveis, virulência dos isolados), ao hospedeiro, ou seja, planta cultivada (resistência, tolerância, densidade de plantas, extensão da área cultivada, arquitetura da planta, espaçamento), e ao ambiente (temperatura, umidade, precipitação pluvial, molhamento foliar, vento), além do tipo de solo, pH, teor de matéria orgânica, umidade e nível nutricional do solo, índice de cobertura do solo, quantidade e qualidade da palhada e seqüência de culturas empregada no sistema de rotação.
Infelizmente a maioria dos produtores rurais não tem estado atenta a todos estes fatores e nem sequer tem utilizado um sistema de rotação de culturas adequado para o convívio com o crescente problema de doenças.
Nos últimos anos tem-se observado a intensificação da ocorrência de doenças, obrigando os produtores a utilizarem mais defensivos agrícolas, aumentando o custo de produção, os riscos de intoxicação e contaminação do ambiente e, consequentemente, reduzindo os lucros.
Uma das principais doenças de solo que tem se expandido na região do Cerrado é o mofo branco (Sclerotinia sclerotiorum). O patógeno sobrevive no solo por meio de estruturas de resistência chamadas de escleródios e pode atacar mais de 400 espécies hospedeiras, entre elas plantas de importância econômica como soja, feijão, algodão e girassol.
Mofo branco nas hastes do feijoeiro
Mofo branco nas vagens do feijoeiro
Mofo branco nas hastes da soja
Os escleródios possuem formato e consistência semelhantes às fezes dos ratos e contem grande quantidade de escleródios, que são o inóculo da doença. Em condições ambientais favoráveis podem germinar dando origem aos apotécios (minúsculos cogumelos) que disseminam rapidamente o fungo, atingindo a parte aérea das plantas, podendo causar uma epidemia da doença, dificultando o seu controle.
Para que ocorra a germinação dos escleródios é necessário que haja a incidência de luz no solo. Tal condição é severamente desfavorecida com a presença de palha cobrindo o solo. Quanto mais palha presente na superfície do solo, menor será a penetração da luz e, portanto, menor será a infestação da doença.
Feijão em SPD com boa palhada
Soja em SPD com boa palhada
Resultados de pesquisa conduzidos em laboratório com solo contaminado com mofo branco, após três anos de cultivo contínuo com pastagem, mostraram que o inóculo do mofo foi praticamente eliminado, demonstrando o efeito sanitizante das gramíneas forrageiras (braquiárias) na rotação de lavoura com a pecuária.
Experimento de campo conduzido pela Embrapa Arroz e Feijão e pela Universidade Federal de Goiás, Campus de Jataí, entre as safras 2006/7 a 2009/10, verificou que com a utilização do sistema Santa Fé da Embrapa (milho consorciado com braquiária) aumentou a proporção de escleródios menores que 2 mm, considerados de menor infectividade, e favoreceu a redução do inóculo inicial por meio da germinação de escleródios e formação de apotécios na entressafra, o que reduziu o número de escleródios germinados e o número de apotécios em pleno florescimento durante os cultivos da soja, concluindo que o sistema Santa Fé pode reduzir o inóculo do mofo branco, e pode ser utilizado no manejo dessa doença da soja.
Para o controle do mofo branco em áreas com alta infestação tem sido preconizada aplicação de fungicidas específicos de alto custo, associados ao uso do controle biológico, através da aplicação do tricoderma (Trichoderma sp).
O tricoderma é um fungo natural que ao ser aplicado na área infestada e se multiplicar apresenta um efeito antagônico (negativo) no fungo causador do mofo branco. A sua eficiência está relacionada diretamente com a concentração do produto biológico a ser utilizado, isto é, a quantidade de esporos viáveis de tricoderma presente no produto comercial e das condições ambientais da área onde será aplicado.
Na prática tem-se observado que sua eficiência tem sido significativamente superior em áreas com solo equilibrado, isto é, com histórico de plantio direto e principalmente com boa palhada.
O uso de gramíneas forrageiras no manejo de doenças e de solo foi um dos principais temas apresentados no Dia de Campo sobre Sistema Plantio Direto, Integração Lavoura-Pecuária e Integração Lavoura-Pecuária-Floresta, realizado no dia 18 de maio, na Feira Agrobrasília. No evento o pesquisador da Embrapa Arroz e Feijão, Murillo Lobo Júnior destacou a importância da formação de palhada na redução da infestação do mofo branco e na performance do controle biológico com o uso do tricoderma.
Espera-se que a pesquisa possa ratificar estes resultados e que a extensão rural e a assistência técnica divulgue aos produtores rurais os benefícios da rotação de culturas e da cobertura do solo no manejo desta importante doença, que tem causado sérios prejuízos ao produtores brasileiros, de forma que o SPD e a formação de palhada sejam práticas amplamente adotadas, possibilitando a produção de alimentos com competitividade e sustentabilidade.
Artigo originamente publicado em 15/06/2012
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