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Muitas justificativas têm sido apresentadas para explicar a escassez de energia no Brasil. Entre a incompetência histórica dos gestores dos sistemas energético e econômico nacionais, que permitiram a interrupção dos investimentos em geração e transmissão de energia, e a instabilidade climática refletida na pior estiagem que o país sofreu nos últimos 70 anos, tem passado despercebida a muitos a relação que os reservatórios hídricos vazios guardam com o processo de degradação das terras.
Recentemente, foi divulgado pela Fundação SOS Mata Atlântica um relatório que analisa a destruição dessa mata e conclui que mais de 92% desse bioma já foram removidos, substituídos por atividades antrópicas, urbanas e rurais. Ora, nesse bioma estão inseridas a Serra da Mantiqueira, que contém as cabeceiras de diversos afluentes do mais importante rio do estado do Rio de Janeiro, o Paraíba do Sul, e a Serra do Mar, que contém o complexo de Ribeirão das Lajes, que gera boa parte da energia elétrica consumida na cidade do Rio de Janeiro.

O ritmo do processo de captação de águas de rios ou reservatórios é intermediado pela vegetação e pelo solo presentes nas microbacias hidrográficas onde eles se inserem. Na natureza, a vegetação serve como barreira, reduzindo a energia com que a água da chuva atinge o solo. Este, rico em matéria orgânica e biomassa, atua como filtro e estoque de água, armazenando esse recurso natural que, após hidratar a vegetação sobre o solo, será exportado para os lençóis freáticos e aquíferos. Após a remoção da vegetação, as chuvas atingirão a superfície desprotegida do solo, que lentamente se tornará menos permeável, deixando de exercer o papel de estoque e filtro da água. Esta passará a escoar com maior velocidade pela superfície do solo, carregando toneladas de terra para rios e lagoas. O resultado é o assoreamento - ou entupimento dos reservatórios de água para abastecimento e geração de energia hidrelétrica. Com isso, perdemos também o estoque de água que abastece os rios nas épocas de escassez de chuvas. Além de menos água para beber e para-gerar energia, agora também sofremos com enchentes violentas e esporádicas, quando das enxurradas.

Esse processo ocorre tanto no bioma Mata Atlântica quanto no bioma Cerrado, onde se localizam as bacias dos rios Paraguai, Araguaia e Paraná, esta contendo nossa maior usina hidrelétrica, ltaipu Binacional. A carga de sedimentos presentes nas águas dos rios dessas bacias é extremamente elevada, reflexo do -alto grau de degradação de terras devido à substituição da vegetação nativa por pastagens mal manejadas, localizadas em solos impróprios para tal fim. O uso agrícola de áreas declivosas, muitas vezes criminosamente cultivadas no sentido 'morro abaixo', além de entupir os rios com terra, causa cicatrizes enormes no terreno formadas por voçorocas, que custam multo tempo e dinheiro para recuperar. A sanha destrutiva do homem levou também à remoção da maioria terras e das matas e vegetação ciliares, que outrora protegiam os rios das enxurradas das enxurradas e das pesadas cargas de sedimentos por elas carreados.

Felizmente, existem formas alternativas de manejo agrícola dos solos tropicais, que reduzem ao mínimo a degradação das terras. Um bom exemplo veio do projeto Paraná Rural, no qual uma parceria do governo estadual com proprietários rurais promoveu a recuperação de microbacias hidrográficas pela implantação do sistema de plantio direto. Este é caracterizado pela semeadura em estreitos sulcos abertos sobre os restos da cultura anterior, que protegem o solo das chuvas, além de manter sua matéria orgânica em níveis adequados para que o solo atue como filtro e estoque de água. O resultado foi uma redução em 43% da turbidez das águas que saem das microbacias hidrográficas. O sistema de plantio direto no cultivo de grãos, principalmente soja e milho, já foi implantado em mais de 10.000.000ha de terras de cerrado, reduzindo consideravelmente a perda de solos nesse bioma. Precisamos avançar ainda mais, incrementando a biodiversidade de nossos sistemas de produção, através da diversificação de culturas agropecuárias e recuperação de áreas de proteção permanente, principalmente das matas ciliares, topos de morros e encostas íngremes. Em áreas de Mata Atlântica estão avançando as iniciativas de implantação de sistemas agroflorestais, onde o produtor recebe renda de produção agrícola ao mesmo tempo em que recupera a cobertura florestal.

A reversão do processo de degradação de terras na Mata Atlântica e no Cerrado e a consequente garantia de que as águas das chuvas não serão perdidas rapidamente através de escorrimento superficial dependem de uma difusão mais eficiente das tecnologias disponíveis visando ao uso sustentável das terras, incentivos. governamentais que assegurem a adoção dessas tecnologias pelos produtores e planejamento participativo do uso das terras nas bacias hidrográficas. A inserção dos produtores e proprietários rurais no processo decisório é fundamental para o sucesso de qualquer iniciativa que envolva alteração nos modelos de utilização das terras. Somente com o engajamento de toda a sociedade, urbana e rural, conseguiremos vencer a batalha do racionamento e sair dela não só com maiores aportes de recursos para a expansão do nosso sistema de geração e distribuição de energia, mas também com uma proposta de gestão do uso da terra que leve à recuperação quantidade e qualidade de nossos recursos hídricos.

Artigo originalmente publicado em 02/08/2010

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Marcia Carvalho
06/08/2010 - 13:37
Coutinho, reflexÒo necessßria! O manejo dos solos agricolas tb Ú fator fundamental para o equilibrio do clima. Areas de transiþÒo entre floresta e cerrado na regiÒo do vale araguaia, p.ex., jß passam por processo de savanizaþÒo pela retirada indiscriminada da cobertura vegetal para criaþÒo de gado em pastagens que atualmente estÒo degradadas. O padrÒo de precipitaþ§es mudou muito nos ultimos 30 anos devido a mudanþa do uso da terra. Pensar em mitigar mudanþa climßtica comeþa em pensar a conservaþÒo do solo.
Atenciosamente,
Marcia Thais, Cnpaf.

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