Já falamos nessa coluna sobre a escolha de forrageiras para pastagens, sobre a biotecnologia aplicada às forrageiras, da importância das gramíneas para a sociedade e hoje abordarei um tema motivo de vários anos de dedicação de minha parte: o modo de reprodução de muitas das gramíneas de maior importância para a pecuária tropical - a apomixia.
Até Mendel, o monge austríaco que estabeleceu as leis de herança, surpreendeu-se com os resultados contraditórios de seus estudos com Hieracium, uma planta apomítica. Apomixia é uma palavra de origem grega e que significa “sem mistura”, pois o embrião é formado sem que haja contribuição do gameta masculino.
Na reprodução de plantas, o normal é o ovário conter uma célula que sofrerá meiose e produzirá uma estrutura chamada saco embrionário contendo uma célula-ovo com metade do número de cromossomos da espécie. Assim, quando for fecundada pelo grão de pólen, restaurará o número típico de sua espécie. Para a formação do endosperma, que é o tecido de nutrição do embrião até a plantinha iniciar fotossíntese, dois núcleos no ovário precisam também ser fecundados pelo grão de pólen, ocorrendo assim a chamada fecundação dupla nessas plantas ditas sexuais.
Já nas plantas apomíticas, o ovário abriga uma célula-ovo que não sofreu meiose, ou seja, não formou um gameta com metade do número de cromossomos. Assim, essa célula-ovo só contém os genes da planta-mãe e por não ser fecundada, vai originar uma planta idêntica a que lhe deu origem, isto é, um clone. Então por que a planta segue produzindo pólen se esse não participa da fecundação? A explicação é que o pólen fecunda sim os núcleos que formarão o endosperma da semente, num processo chamado pseudogamia. O endosperma é, portanto sempre híbrido nas plantas pseudogâmicas. A maioria das plantas apomíticas é também poliplóide, isto é, possuem várias cópias de cada cromossomo em vez das duas cópias normalmente nas sexuais. Muitas cópias dificultam a meiose e provavelmente por isso essas plantas desenvolveram a apomixia, pois essa contorna a meiose e as torna férteis.
Por que então saber se os capins são apomíticos ou sexuais? A grande implicação está em utilizá-los no melhoramento genético, conservar e multiplicar essas espécies para a formação e manejo das pastagens. Se usarmos uma planta apomítica como mãe em cruzamentos não vamos obter híbridos, pois o embrião nunca é fertilizado pelo pólen, assim não será possível integrar características do pai no zigoto. As sementes obtidas são cópias exatas da planta-mãe e a pastagem formada a partir delas serão de mesma carga genética e por isso, homogêneas. A apomixia facilita a multiplicação de sementes, pois não exige o isolamento da área já que não há contaminação por pólen de outras variedades. No entanto impede os cruzamentos desejáveis quando se quer introduzir caracteres de interesse. Para isso é necessário identificar plantas sexuais compatíveis e essas sim, podem ser usadas como plantas-mãe e fecundadas com o pólen das plantas apomíticas, pois o gameta masculino sofre meiose e é, portanto reduzido. Daí o grande interesse em estudar a apomixia para poder manipulá-la nos cruzamentos de braquiária, colonião, paspaluns e futuramente quem sabe em capim jaraguá e capim gordura.
Tal foi o interesse pela apomixia no século passado que fortes grupos formaram-se no mundo para desvendar o mecanismo e tentar introduzi-la em plantas cultivadas como o milho, o milheto e o arroz. O controle da apomixia permitiria inibi-la para permitir o cruzamento e com isso introduzir as características desejáveis e depois acioná-la para fixar o vigor híbrido nas gerações seguintes sem necessidade de produzir as sementes em isolamento. Por se tratar de um processo complexo, até o momento não houve sucesso, mas muito já se conhece sobre esse mecanismo.
Hoje o melhoramento de braquiária explora a apomixia existente nas principais cultivares como B. brizantha cv. Marandu, cv. Xaraés, cv. BRS Piatã, B. decumbens cv. Basilisk e B. humidicola comum, Llanero e BRS Tupi e usa o pólen em plantas sexuais de mesmo número de cromossomos para obter híbridos. O mesmo vem sendo feito em . Com isso foi finalmente possível explorar a grande variabilidade armazenada nesses capins poliplóides e apomíticos. Com o auxílio da biotecnologia o mecanismo da apomixia está aos poucos sendo desvendado e já é possível antever maior eficiência na sua utilização no melhoramento de plantas.
É praticamente só o Brasil que faz melhoramento de forrageiras tropicais no mundo. Por isso o estudo da presença ou ausência de sexo nesses capins justifica plenamente o investimento de anos de trabalho no assunto.
|