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Breno Lobato, Embrapa Cerrados
05/12/2013
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As culturas da mandioca e do maracujá são duas alternativas de fonte de renda para agricultores familiares do Cerrado. Com esse norte, a Embrapa Cerrados (Planaltina, DF) desenvolve o programa de melhoramento participativo da mandioca e as pesquisas com maracujá focadas em melhoramento genético, sistemas de produção e uso diversificado.
O Brasil produz anualmente 26 milhões de toneladas de raízes, sendo que 87% desse total são provenientes da agricultura familiar. A mandioca é uma alternativa de renda para o produtor e segurança alimentar para o País, além de ter um papel socioeconômico importante na agricultura familiar.
“Mas não é só isso. A mandioca também tem movimentação industrial para a produção de fécula. Ou seja, é uma cultura que vai do artesanal ao extremamente tecnificado”, aponta o pesquisador Josefino Fialho, que atua no programa de melhoramento participativo da mandioca.
Fialho acrescenta que a cultura da mandioca parte de um sistema produtivo complexo da agricultura familiar em que predominam os saberes e fazeres dos produtos, de modo a garantir segurança alimentar e qualidade de vida. Por outro lado, a dinâmica do agronegócio e a globalização dos mercados se tornaram desafios para a agricultura familiar, exigindo cada vez mais criatividade e inovação por parte dos pequenos produtores e de instituições de pesquisa e de extensão e governos.
A mandiocultura no Brasil é de baixa produtividade – a média é de 13 toneladas/ha/ano, potencial possível estimado em até 90 toneladas/ha/ano. Entre as principais razões do baixo desempenho está a falta organização dos produtores, que têm pouco capital (recursos financeiros, mão-de-obra e terra) e enfrentam dificuldades no sistema de produção. “Se não estiver organizado, o produtor compra mal e vende mal, não produz com qualidade”, diz o pesquisador.
Para reverter esse quadro, o pesquisador explica que é preciso uma mudança de postura das instituições. A pesquisa tem adotado duas estratégias. A primeira é melhorar os sistemas produtivos, aumentando o rendimento por meio de sistemas agroecológicos, boas práticas de manejo e seleção de materiais de qualidade. A segunda está na melhoria do sistema de transformação, que busca agregação de valor com a produção de farinha ou ensacamento da mandioca para vendê-la congelada ou resfriada, por exemplo.
Melhoramento participativo
O programa de melhoramento participativo da mandioca se encaixa na primeira estratégia. A escolha da variedade adequada, além de não acrescentar custos ao sistema de produção, pode elevar de modo significativo a rentabilidade da lavoura. Assim, o programa tem como objetivo gerar clones específicos para as condições de Cerrado. “Não adianta plantar aqui variedades de outras regiões e vice-versa. Os materiais têm que ser regionalizados”, afirma Fialho.
Os clones são obtidos nos campos experimentais da Unidade, a partir de cruzamentos dirigidos entre os genitores selecionados. As sementes obtidas passam por uma linha de melhoramento, onde são testadas e utilizadas em ensaios regionais e participativos. Do início da seleção até o lançamento da cultivar acabada, são nove a 10 anos de trabalho.
Junto com os produtores e técnicos locais, os pesquisadores selecionam os materiais. “Não levamos um pacote tecnológico nem induzimos a mudança de variedade. Plantamos os novos materiais junto com o produtor, na propriedade. A escolha da variedade é feita por ele”, ressalta o pesquisador.
Diferente dos materiais de mesa e industriais, as mandiocas açucaradas contêm mais açúcar que amido na raiz e são resistentes à bacteriose. A pesquisa busca aumentar a produtividade das raízes (da média nacional atual de oito toneladas/ha/ano para até 58 toneladas/ha/ano), arquitetura de planta que favoreça o plantio, além de vislumbrar a possibilidade de uso na química de alimentos na metalurgia.
Quanto às mandiocas de indústria, os trabalhos visam ao aumento da produtividade de amido para a produção de farinha e de polvilho, além de resistência à bacteriose, melhor arquitetura de planta e película branca nas raízes, o que facilita o descascamento.
Já para as mandiocas de mesa, as pesquisas buscam, além de boa arquitetura de planta, baixos teores de ácido cianídrico nas raízes (mandiocas com teores acima de 100 mg/kg de polpa crua das raízes são tóxicas); elevadas produtividades e coloração da polpa amarela ou rosada, indicando alto teor de carotenoides; boas qualidades culinárias e uniformidade das raízes para facilitar a venda em caixas.
Avaliação participativa
Assim que os materiais são colhidos, pesquisadores e produtores fazem a avaliação conjunta. Os parâmetros considerados são arquitetura de planta, uniformidade e pedúnculo nas raízes, bem como resistência a pragas e doenças. A avaliação participativa da mandioca de mesa (clones amarelos e rosados) no Distrito Federal e Entorno conta com a parceria da Emater-DF e da Fundação Banco do Brasil. Participam 19 unidades demonstrativas (propriedades) do DF, Unaí (MG), Luziânia e Cristalina (GO), que são monitoradas mensalmente pelos pesquisadores. Os clones avaliados são ranqueados pelos produtores. “É extremamente gratificante na pesquisa participativa ver os produtores interessados e obtendo bons resultados”, finalizou Fialho.
Maracujá
Outra fonte de renda para a agricultura familiar é a cultura do maracujazeiro. O Brasil é o maior produtor e consumidor mundial da fruta, com produção anual de 920 mil toneladas – 80% do total mundial (mais de 1 milhão de toneladas). No entanto, o País não figura entre os principais exportadores. Nos últimos cinco anos, a produção nacional praticamente dobrou e o preço pago também vem aumentando.
“Há uma carência de matéria-prima no mercado. Várias agroindústrias estão operando abaixo da capacidade”, observou o pesquisador Fábio Faleiro, lembrando que a cultura está presente em quase todas as regiões brasileiras, com exceção de áreas mal drenadas ou sujeitas a geadas, em pequenas, médias e grandes propriedades. A produtividade média é de cerca de 14 toneladas/ha/ano, com potencial para chegar a 50 toneladas/ha/ano.
Uma grande variedade de produtos pode ser fabricada com a fruta, desde sucos até produtos cosméticos e fitoterápicos, propiciando várias perspectivas de mercado. “A importância do maracujá está na geração de emprego e renda, mas não dá para pensar em fruticultura sem pensar em tecnologia”, disse Faleiro.
O maracujazeiro é uma planta tropical cujo florescimento demanda mais de 11 horas de luz diária, e requer solos areno-argilosos bem drenados, corrigidos e com gessagem e adubação de implantação. Chuvas fortes e prolongadas, além da baixa umidade relativa do ar podem diminuir o vingamento das flores.
A escolha da cultivar deve levar em conta não apenas a produtividade, mas também a tolerância a pragas e doenças; a qualidade química e física dos frutos; o vigor e a longevidade das plantas; menor dependência da polinização manual; a produção na entressafra; adaptabilidade e estabilidade. “Obter boas mudas é o primeiro passo para que se tenha maracujá de qualidade”, observou o pesquisador.
Faleiro chama a atenção para os problemas do reaproveitamento de sementes utilizadas em plantios anteriores. O maracujazeiro é uma planta autoincompatível e alógama (necessita do cruzamento entre plantas diferentes). Por isso, a endogamia (cruzamento entre indivíduos com certo grau de parentesco) provoca a perda de vigor (heterose), menor vingamento e enchimento de frutos, diminui a uniformidade do pomar e dos frutos, além de aumentar a susceptibilidade a doenças.
Por sinal, o maracujazeiro é alvo de doenças como virose (ainda não há uma cultivar resistente), bacteriose, antracnose, septoriose, verrugose e fusariose, e de pragas como percevejos, lagartas, broca da haste, corós, ácaros, cochonilhas e mosca das frutas. “Os fruticultores têm que visitar a lavoura permanentemente”, alertou.
Os tratos culturais também foram abordados pelo pesquisador, que falou sobre sistemas de condução (espaldeira e latada) e de irrigação (com destaque para o gotejamento, que tem propiciado boa resposta da cultura) e fertirrigação, adubação de formação e manutenção, podas de formação, colheita e pós-colheita, armazenamento e agregação de valor.
Outra questão importante é a eficiência da polinização manual, que varia entre 60% e 70% quando realizada corretamente, enquanto a polinização natural pela abelha mamangava tem apenas 6% de eficiência. “É uma prática muito importante. Mas a pesquisa está avançando para diminuir a dependência da polinização manual e na busca de materiais autocompatíveis”, afirmou.
Para o agricultor que vende a fruta fresca, os itens de qualidade são o tamanho, o peso e a coloração da polpa e o aspecto da casca. Faleiro comentou que é importante para o produtor contar com diferentes alternativas de comercialização dos frutos, como a indústria de sucos e alimentícia. “Em cooperativas, esse trabalho é facilitado”, lembrou.
Pesquisas
As ações de pesquisa e desenvolvimento da Embrapa com o maracujazeiro envolvem trabalhos focados em sistemas de produção e no uso diversificado do maracujá. Segundo Fábio Faleiro, o desenvolvimento de porta-enxertos utilizando espécies silvestres tem garantido a prevenção de fusariose nas mudas enxertadas. Já os trabalhos sobre manejo do solo, nutrição e adubação têm gerado recomendações sobre a escolha da área, para análises do solo e de folha, bem como para calagem, gessagem, adubações corretiva, de implantação e de produção.
Os trabalhos que comparam o desempenho de sistemas de produção sequeiro e irrigado apontam que neste último a produção é mais precoce e a produtividade é superior. Um estudo com oito cultivares realizado no Mato Grosso mostrou que as médias do número e da massa totais de frutos foram maiores no sistema irrigado. O pesquisador destacou ainda a fertirrigação, que tem como vantagens a maior eficiência e precisão, além de menor custo. Sistemas alternativos como a produção orgânica, o cultivo protegido em estufas e o cultivo adensado também são objeto de estudos.
Quanto ao controle de pragas e doenças, as pesquisas atuam no manejo integrado, que associa diferentes métodos de controle: cultural (associadas ao manejo adequado da cultura), biológico (uso de inimigos naturais), químico (uso de produtos registrados e na dosagem recomendada) e genético (uso de cultivares mais resistentes). Também são avaliados produtos alternativos para controle de doenças e indução de resistência.
Cultivares
Para o uso diversificado do maracujazeiro, as pesquisas em melhoramento genético têm buscado desenvolver materiais para uso não apenas na alimentação e na indústria de sucos (maracujás azedos e doces), mas também em aplicações ornamentais, funcionais e medicinais. De acordo com Faleiro, das 450 conhecidas do gênero Passiflora, cerca de 200 são originárias do Brasil, sendo que 70 delas dão frutos comestíveis e 50 têm potencial comercial. Mas somente uma espécie (P. edulis, o maracujá disponível no comércio) tem a cadeia produtiva estabelecida.
As espécies nativas têm sido utilizadas no melhoramento genético do maracujá comercial, agregando características de interesse como a coloração da polpa. Desse trabalho, foram desenvolvidas as cultivares de maracujazeiro azedo lançadas pela Embrapa – BRS Gigante Amarelo, BRS Sol do Cerrado, BRS Ouro Vermelho e BRS Rubi do Cerrado. Também foram desenvolvidos híbridos de maracujazeiro ornamental (BRS Estrela do Cerrado, BRS Rubiflora e BRS Roseflora), além de estudos com espécies que contêm substâncias com propriedades funcionais e medicinais. Além disso, devem ser lançados nos próximos anos cultivares de maracujazeiro doce.
O aproveitamento múltiplo do maracujá é outra frente de trabalho. Além das flores, que servem como ornamentação, a polpa e as sementes da fruta fornecem óleos para cosméticos, enquanto a casca pode ser usada na alimentação animal e as folhas em produtos fitoterápicos.
Nesse sentido, foi lançada em maio deste ano a primeira cultivar de maracujazeiro silvestre do Brasil, a BRS Pérola do Cerrado, que tem quádrupla aptidão: consumo in natura, processamento industrial, ornamental e funcional.
Cooperativismo
oo pesquisador Fábio Faleiro destaca ainda a importância do cooperativismo e do associativismo para a agricultura familiar. Segundo ele, há muitas vantagens para os produtores, principalmente a organização para a compra de insumos e a venda de produtos, a busca facilitada de informações técnicas e para o uso racional dos recursos naturais (garantindo sustentabilidade e qualidade de vida), além da formação de parcerias com a cadeia produtiva. “A associação dos produtores é importante para a prospecção de novos mercados”, completou.
A diversidade de tipos de modos de produção familiar é grande no Brasil, indo desde o semi-mercantil e marginalizado do processo econômico até o tecnificado com forte inserção no mercado. “Temos que acabar com aquela agricultura familiar que é sinônimo de sofrimento. Ela tem que ser sinônimo de prosperidade e qualidade de vida no campo. O agricultor familiar não quer apenas sobreviver no campo, ele quer adequada fonte de renda, quer o filho na escola e quer ter acesso e utilizar as tecnologias desenvolvidas pela pesquisa”, concluiu o pesquisador.
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