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A Integração Lavoura Pecuária Floresta (ILPF) é uma técnica que tem sido amplamente divulgada, inclusive em grandes encontros e debates entre os principais líderes e personalidades do setor rural. Contudo, apesar de se mostrar uma excelente alternativa para o produtor e para a própria economia, ela ainda não é adotada por grande parte dos pecuaristas. Para entender as causas desse problema, o Portal Dia de Campo conversou com João Kluthcouski (conhecido como João K), pesquisador da Embrapa Cerrados, que tem quase 40 anos de vivencia prática setor e de participação em dias de campo. Na entrevista exclusiva, ele aborda alguns aspectos como a baixa qualidade na assistência técnica e a própria aversão do pecuarista em adotar novas tecnologias.
Portal Dia de Campo - Sob aspectos agronômicos, zootécnicos, ambientais e econômicos a ILPF é a solução para inúmeros problemas dentro do setor agrícola nacional. Mas ela é adotada como deveria no país? Qual o balanço que o senhor faz sobre a adoção da ILPF
hoje no Brasil?
João K - A ILPF não é adotada na forma ideal. Ela é adotada principalmente por produtores de grãos. O país conta com uma área de produção de grãos próxima a 50 milhões de hectares. Na pecuária, estamos atingindo uma área de 180 milhões. Estima-se que quase 100 milhões de hectares de pasto apresente algum grau de degradação. Se quisermos viabilizar realmente a questão da agropecuária hoje no Brasil, a primeira medida é tentar recuperar essas áreas.
Portal Dia de Campo - Quem adota a ILPF hoje no Brasil? Por quê?
João K - Os agricultores adotam bem a integração, que inclusive está crescendo no meio. Mas os pecuaristas têm muito medo de entrar no ramo de produção de grãos. De certa forma, eles são “tecnofóbicos”, ou seja, têm aversão à tecnologia. Na verdade, a maioria desses grandes pecuaristas que detém as áreas degradadas não depende da pecuária para a sua subsistência.
Portal Dia de Campo - Por que os produtores não estão adotando a prática como deveriam? Na sua opinião, por parte das iniciativas pública e privada o que precisa ser melhorado? O Crédito, as tecnologias, a divulgação ou a assistência técnica?
João K - Primeiro porque já existe a cultura do pasto degradado. Em segundo lugar, existe o fator da demanda pela produção. Se ampliarmos muito nossa área de ILPF e produzir bastante grão, precisaremos de mercado para isso. Mas essas expectativas ainda não são muito claras. Particularmente, é decepcionante ver o estado em que estão essas áreas. O crédito já existe, é bom, fácil e atrativo. Não nos falta também a tecnologia. O que precisa ser melhorada é a transferência de tecnologia. Não temos uma assistência técnica preparada para atender à demanda de todas as regiões brasileiras.
Portal Dia de Campo - Sob o ponto de vista técnico, qual a principal dificuldade hoje dos produtores rurais no que diz respeito ao bojo do pacote tecnológico da ILPF?
João K - A principal dificuldade é a assistência técnica. Se o produtor quiser iniciar a implantação da ILPF, ainda falta assistência técnica a altura. Existe a assistência privada, mas ela é cara. Já a assistência do governo, está muito enfraquecida na maioria das regiões brasileiras.
ILPF é adotada principalmente por produtores de grãos
Portal Dia de Campo - O senhor usa os termos “tecnofóbicos” e “extrativistas” para definir a linha de trabalho de alguns pecuaristas ainda hoje. Pode falar mais a respeito?
João K - O pecuarista nato tem medo de tecnologia e de dívidas. Esse é um problema crônico porque a tendência é o desaparecimento dos pequenos e médios produtores se não melhorarem seu sistema de produção.
Portal Dia de Campo - E por que o medo de investir em tecnologia?
João K - Acredito que seja pelo fato de o produtor não conhecer o processo de produção agrícola. Geralmente, ele é um pecuarista urbano, teve um passado cheio de dificuldades e acabou criando uma antipatia por investir em máquinas, insumos, etc. Ele ainda não entendeu que a agricultura bem feita apresenta um retorno muito maior que o da pecuária. Além disso, ele é acomodado, oportunista, extrativista e especulador. Por outro lado, não devemos generalizar, pois existem sim bons pecuaristas.
Portal Dia de Campo - O que as áreas de pastagens degradadas representam hoje para o modelo produtivo brasileiro?
João K - O que antes era uma área de 200 milhões de hectares fotossinteticamente ativa, se transformou em 100 milhões de hectares de pasto degradado. Isso representa um grande prejuízo para a atmosfera e para a questão da saúde pública. Na verdade, a pastagem degradada não é um problema, mas uma oportunidade. O Brasil é bem conceituado mundialmente pela produção que apresenta. Temos condições de produzir ainda mais, porém falta um impulso para isso. Se o país quiser se estabelecer realmente como um celeiro do mundo, a questão de áreas degradadas deve ser considerada uma prioridade.
Portal Dia de Campo - Uma legislação mais rigorosa poderia ser a saída para privilegiar os interesses coletivos em detrimento dos individuais?
João K - Nossas políticas deveriam incentivar ou mesmo punir, em alguns casos, esses produtores que ampliam e degradam suas áreas. Por parte do governo, falta coibir a expansão das áreas degradadas com o aumento de impostos. A legislação existe, mas não é aplicada. Segundo os dados do IBGE, são poucas as áreas degradas no Brasil porque ninguém vai fornecer um dado que será punitivo para si próprio.
Portal Dia de Campo - Sobre o Programa ABC, por que tem uma adesão tão baixa? Falta divulgação ou o acesso ao credito está difícil ou pouco atrativo? O que mudar?
João K - O Programa ABC foi o melhor programa já instituído pelo governo em toda a história porque ele atende todas as reivindicações de sustentabilidade. O crédito oferecido é bom e a divulgação também. Mas a adesão ainda é muito baixa por falta de conscientização dos produtores.
Portal Dia de Campo - A distância de algumas fronteiras, encarecendo o frete, enquanto há áreas degradadas em regiões bem mais próximas, representa uma discrepância no cenário produtivo brasileiro. O que essa área subaproveitada pode significar para o agronegócio brasileiro?
João K - Isso representa um “custo Brasil” bastante violento e é um dos principais problemas hoje. Esse custo aumentará ainda mais se não começarmos a recuperar as áreas degradadas que, geralmente, estão circundadas por regiões agrícolas de altíssima qualidade.
Portal Dia de Campo - O que falta para acabar com a cultura extrativista no país?
João K - Uma das principais alternativas é mudar o homem. Prova disso é que, em regiões muito arenosas, como São Paulo e Paraná, existem produtores altamente sustentáveis. Acho também que o governo tem responsabilidade nesse aspecto. Ainda existe o conceito do homem rural como um homem devastador, enquanto que na grande maioria, são heróis.
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