Um momento de eleições cria excelente oportunidade para se discutir o aperfeiçoamento dos serviços prestados pelo Estado à população. Essa é uma discussão fundamental e urgente porque o mundo passa por transformações profundas que estão exigindo dos governos ampla revisão de prioridades, processos e estruturas. Por isso, é essencial que propostas e planos de candidatos a cargos públicos vislumbrem inovações que confiram ao aparato do Estado capacidade de atender a cidadãos cada vez mais esclarecidos, engajados, exigentes e pressionados por mudanças rápidas e impactantes.
As rupturas produzidas pela tecnologia, mudanças demográficas e pressões climáticas afetam governos, mercados, negócios, a forma como trabalhamos e nos divertimos, a nossa segurança, o meio ambiente – enfim, múltiplas dimensões da vida moderna. A persistente crise brasileira acentua sentimentos de desamparo e frustração, além da certeza, para muitos, de que o país está distante de garantir, de forma ampla, os direitos mais básicos à sua população, como moradia, educação, saúde e segurança. É, portanto, passada a hora de minimizarmos passivos e imperfeições enraizados no nosso dia a dia, que emperram a máquina pública e contribuem para perenizar os nossos infortúnios.
Um grave problema brasileiro é a ênfase no modelo excessivamente vertical de governo, com número excessivo de entidades - ministérios, secretarias, agências etc. - operando em limitada coordenação e sinergia, tão necessárias para resposta aos complexos desafios da atualidade. Governos verticais padecem de inconstância de propósitos, pela falta de agendas consistentes e pela troca de gestores em posições-chave de forma frequente e pouco sustentada em critérios de capacidade e mérito. Assim, muitas vezes, instituições públicas dedicadas a funções vitais para a vida da nação enfrentam uma luta por espaços na burocracia e na disputa política, deixando a desejar na produção de benefícios para a sociedade.
Um dos defeitos de governos verticais é a incapacidade de construir interação e sinergia entre a multiplicidade de atores criados e esforços despendidos, o que produz frequentes e custosas irracionalidades administrativas. Obras inacabadas - há anos se perdendo em ruínas -, retorno de doenças consideradas erradicadas, degradação do ensino em todos os níveis, segurança pública em constante crise e insuficiência crônica de infraestrutura a limitar o crescimento econômico são apenas alguns exemplos diariamente noticiados. E, como os passivos e pressões se acumulam de governo para governo, todos são atingidos por uma agenda imediatista, dedicando-se pouco a olhar adiante para deixar um legado estrutural para o país.
É, pois, imperativo que busquemos consolidar um modelo de Estado transversal, com gestão pública mais distribuída, focada na busca e na retenção de talentos com preparo e visão ampla o suficiente para minimizar conflitos e confrontos e construir agendas que perpassem múltiplas organizações, com metas e objetivos compartilhados e indicadores que permitam acompanhamento e maximização da entrega de resultados e impactos para a sociedade. Um excelente exemplo da essencialidade de tal modelo está no campo da inovação, que repercute em quase tudo que sustenta nações desenvolvidas.
Praticamente todos os países desenvolvidos contam com estruturas transversais de estímulo à inovação, ligadas à chefia do Executivo, que reconhece ser o tema importante demais e transversal o suficiente para merecer um tratamento unificado e pragmático por parte de múltiplos ministérios, agências de fomento, organizações de pesquisa, universidades e empresas. Em plena era do conhecimento, o Brasil ainda não conta com espaços de deliberação técnica e interministerial para coordenação e execução de políticas de inovação tecnológica em alto nível. Na falta de um papel coordenador e indutor da inovação pelo Estado, a indústria segue perdendo competitividade de forma preocupante e nossos jovens e profissionais mais criativos buscam oportunidades em outros países.
Outro grave problema brasileiro é a concentração excessiva de recursos e responsabilidades na União, muitas vezes justificada por baixa qualificação dos quadros técnicos e pela fragilidade institucional de estados e municípios. Ainda assim, há que se discutir até quando precisaremos esperar pelo empoderamento dos estados e municípios brasileiros, onde a vida da nação, de fato, pulsa. Desconcentrar poder e fortalecer estados e municípios é vital, pois já está clara a incapacidade de a União cuidar bem de todos os rincões do país continental chamado Brasil. Sem corrermos o risco de descentralizar poder e responsabilidades, jamais teremos a profissionalização dos quadros e o aprimoramento institucional e administrativo que estados e municípios precisam alcançar para almejarmos a posição de nação desenvolvida.
Ser governo nunca foi tão desafiador! E nunca foi tão necessário definir um novo modelo de organização e gestão pública no Brasil para podermos sonhar com a superação dos passivos que nos assombram e encarar os desafios sem precedentes que o futuro nos reserva. A nosso favor vem uma onda de tecnologias transformadoras que viabilizam modelos de gestão pública mais distribuída, com métodos inovadores de interação para melhor governança, e prestação de contas adequadas a formas transversais de governo. O governo digital, por exemplo, pode ser personalizado e contextualizado, permitindo que cidadãos em qualquer lugar do país possam se unir, compartilhar experiências, solicitar e ajudar a viabilizar novos serviços públicos.
Mas, para navegarmos com eficiência nesse novo mundo, é preciso compreender que não estamos vivendo uma “época de mudanças” que exige apenas pequenos ajustes para alcançarmos o futuro que queremos. Estamos, na verdade, vivendo uma “mudança de época”, que está a nos exigir a rápida reinvenção de estruturas, processos e modelos mentais.
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