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Paula Rodrigues, Embrapa Hortaliças
06/02/2018
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As características agronômicas do híbrido de melão BRS Araguaia, do tipo amarelo, têm surpreendido produtores que testaram o material. Os pontos positivos mais ressaltados na avaliação são produtividade e resistência. Na média, o rendimento gira em torno de 40 toneladas por hectare (t/ha) de frutos comerciais, em condições ideais de cultivo, valor que se equipara às principais cultivares disponíveis no mercado. O híbrido também resiste bem ao fungo oídio, uma das principais doenças que atingem a cultura e apresenta doçura maior e distribuída de forma homogênea em todo o fruto.
Resultado do programa de melhoramento genético de melão da Embrapa, a BRS Araguaia está sendo validada nas principais regiões produtoras do País: o Vale do Açu, no estado do Rio Grande do Norte, e o Vale do São Francisco em especial, nos estados de Pernambuco e Bahia.
“O mercado é muito dinâmico e competitivo, por isso foi fundamental entregar um material com produtividade equivalente aos híbridos comerciais, mas que, além disso, tivesse uma vantagem adicional que é a resistência ao oídio”, reforça o pesquisador da Embrapa Valter Rodrigues Oliveira, responsável pelo melhoramento genético da cultivar.
“A tolerância a oídio é um destaque importante do melão BRS Araguaia, pois as plantas são extremamente fortes e rústicas”, descreve Luís Eduardo Rodrigues, gerente de P&D da Feltrin Sementes, empresa licenciada para comercializar as sementes do híbrido.
Fruto mais doce e uniforme
Se, por um lado, produtividade e resistência atendem às demandas do setor produtivo, por outro, o elevado teor de açúcares promete agradar o paladar dos consumidores. Diferentemente das outras cultivares comerciais, o melão BRS Araguaia possui uma doçura uniforme em toda a extensão da polpa, ou seja, ele continua bem doce mesmo na parte da polpa que fica próxima à casca. “Essa característica demonstra o elevado potencial da qualidade do fruto. Além da firmeza, ele é tolerante ao transporte e tem a polpa extremamente saborosa”, comenta Rodrigues.
A doçura do fruto está relacionada ao elevado teor de sólidos solúveis, que são compostos responsáveis pelo sabor, principalmente açúcares. Esse valor é medido em grau Brix (ºBx). Cada grau Brix equivale a um grama de açúcar por 100 gramas de solução, ou seja, 1% de açúcar. “Em comparação com outros materiais, o BRS Araguaia é mais doce: ele alcança 12º Bx, enquanto outras variedades ficam, em média, com 10,5º Bx”, quantifica Rodrigues, ao destacar a qualidade superior do híbrido.
O melão amarelo BRS Araguaia foi desenvolvido a partir da seleção de linhagens puras que apresentaram as principais características buscadas pelos pesquisadores como rusticidade, vigor, potencial produtivo, adaptabilidade e tolerância a doenças. Em seguida, as linhagens selecionadas foram combinadas e geraram 300 híbridos experimentais que passaram por processos de validação, especialmente no Vale do São Francisco, com o apoio da Embrapa Semiárido (PE). Por fim, dez anos após o início do melhoramento genético, os pesquisadores elegeram o híbrido BRS Araguaia, que soma bom desempenho agronômico a qualidades importantes para a pós-colheita.
Aprovado pelo produtor
No fim de julho, o produtor Joaquim Tanaka plantou o melão BRS Araguaia em uma parcela experimental, em Porto Esperidião, município no sudoeste do Estado de Mato Grosso, e constatou que o híbrido apresenta um desempenho melhor que outras variedades comerciais. “Ele teve melhor uniformidade de frutos. Houve incidência de fungo na lavoura, mas ele sofreu menos ataques que as outras variedades de melão”, conta. Quando chegou a colheita, nos meses de setembro e outubro, Tanaka ficou surpreso com a produtividade: “[O BRS Araguaia} produziu dois frutos a mais por planta, com uma média de 1,6 kg cada fruto,” relata o agricultor.
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Mais qualidade para o mercado nacional
Quase a totalidade da produção brasileira de melão está concentrada no Nordeste, devido às condições ambientais mais favoráveis que permitem o cultivo durante o ano todo, apesar de haver maior dificuldade nos plantios de verão. De um modo geral, essa regra vale para todas as espécies de hortaliças.
Do ponto de vista da logística, a região também é favorecida pela proximidade com portos que escoam os frutos para países da União Europeia entre os meses de agosto a março — período de entressafra das lavouras espanholas, que lideram o fornecimento para o bloco econômico. Segundo Oliveira, no mercado europeu, o melão brasileiro somente é competitivo até abril, quando então a safra da Espanha se inicia e inviabiliza as exportações brasileiras por causa das tarifas de importação.
Nos outros meses, a produção volta-se para o mercado interno, mas geralmente os produtores iniciam os plantios em maio já pensando no mercado de exportação, uma vez que o ciclo do melão gira em torno de 60 dias. Em virtude desse contexto, os frutos devem apresentar bom desempenho e resistência após a colheita, visto que vão enfrentar duas semanas em navios para cruzar o Atlântico e chegar aos portos europeus.
“A cultivar BRS Araguaia apresenta um padrão que atende às exigências do mercado: frutos com peso médio de 1,7 kg, vida útil de 30 dias e elevado teor de açúcares e demais sólidos solúveis”, ressalta o agrônomo, ao pontuar que, durante a pesquisa, os frutos foram submetidos a situações drásticas de armazenamento, em câmaras frias de laboratório, e que as condições de mercado seriam mais favoráveis para obtenção de valores ainda melhores.
Segundo Rodrigues, que acompanha os ensaios de validação do híbrido, o melão apresenta excelentes características após a colheita, como a boa formação de casca que resiste à mancha-chocolate. Esse distúrbio está relacionado ao escurecimento do fruto, tornando-o impróprio para comercialização, e sua ocorrência é frequente nas condições de transporte de melão no Brasil.
Apesar de os frutos atenderem mais aos padrões do mercado nacional, Oliveira considera que o híbrido BRS Araguaia é um melão de dupla aptidão porque também pode ser direcionado para o mercado externo. Contudo, devido à ampla adaptação às condições da região Centro-Oeste (em especial, noroeste de Goiás) e do Nordeste (com foco no vale do São Francisco), a estratégia principal para o melão BRS Araguaia é entregar mais qualidade para os consumidores brasileiros que, em regra, consomem frutos de qualidade inferior aos exportados para a Europa.
Bom para o grande e pequeno produtor
Embora a produção nacional de melão esteja concentrada em grandes áreas e empresas, ainda há pequenos e médios produtores de melão amarelo, principalmente na região do Vale do São Francisco. Como não necessariamente o melão do tipo amarelo precisa entrar na cadeia do frio logo após a colheita (ao contrário dos melões nobres como Gália e Cantaloupe), o agricultor sem estrutura de beneficiamento e armazenagem consegue produzir e escoar os melões.
Genética nacional ganha espaço no segmento de híbridos
Desenvolvido em parceria com a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Goiás, o melão BRS Araguaia foi licenciado no ano passado para a empresa Feltrin Sementes, após um Processo de Oferta Pública e, desde então, as sementes foram multiplicadas para se obter volume e iniciar a comercialização da cultivar. “O material apresentou destaque na qualidade de plantas, com folhas vigorosas e rústicas, e excelente tolerância natural a doenças”, constatou Luís Eduardo Rodrigues, gerente de P&D da empresa licenciada.
No horizonte da pesquisa
Altas temperaturas, escassez hídrica e salinidade são fatores abióticos que compõem a equação que as pesquisas com melhoramento genético de melão devem solucionar nos próximos anos. Por outro lado, entre os fatores bióticos, permanecem as buscas por resistência às principais pragas e doenças como oídio, mosca-minadora e vírus-do-amarelão. “A qualidade pós-colheita também será essencial para expandir a vida útil e permitir que os melões cheguem a novos mercados como a Ásia”, analisa o pesquisador Valter Oliveira. O programa de melhoramento genético da Embrapa já tem planos de, a curto prazo, lançar uma nova variedade de melão amarelo destinada à exportação e, assim, fazer a genética nacional ganhar o mundo.
Em validações da empresa na macrorregião de Petrolina (PE), os produtores elogiaram a boa cobertura foliar, crescimento vigoroso e a capacidade produtiva, além da firmeza e da doçura da polpa. Segundo Rodrigues, a estratégia vai ser posicionar a cultivar para atender o mercado interno com frutos firmes, excelentes para transporte, e com elevado teor de açúcares. Ele revela que houve interesse no licenciamento porque a empresa busca novas genéticas para atuar em mercados maiores, como o segmento de híbridos que está em crescimento.
“Geralmente, o que se cultiva no Brasil são materiais genéticos importados, de empresas estrangeiras que desenvolveram o híbrido de melão fora do nosso país. Por isso, ver a genética nacional sendo inserida nesse mercado é uma conquista que representa ganho de qualidade para produtores e consumidores”, avalia Oliveira ao comentar que ainda é necessário desenvolver a parte de fitotecnia para o híbrido BRS Araguaia alcançar todo o potencial.
As cifras do melão
Em 2016, a exportação mundial de melão ultrapassou 2,27 milhões de toneladas e 1,44 bilhão de euros, um recorde histórico, conforme mostram os dados da Divisão de Estatísticas do Departamento de Assuntos Econômicos e Mundiais das Nações Unidas, divulgadas pelo portal espanhol Hortoinfo.
A Espanha ocupa o primeiro lugar nas exportações, com volume de quase 445 mil toneladas, seguida da Guatemala, com 420 mil toneladas. O Brasil fica em terceiro lugar com 225 mil toneladas de melão exportadas. Honduras e Estados Unidos completam o ranking dos cinco principais exportadores com 208 mil e 176 mil toneladas, respectivamente.
Em relação às receitas, a Espanha fatura um valor estimado em 303 milhões de euros, enquanto a Guatemala, com quase a mesma produção, alcança somente 145 milhões de euros, pouco mais do que o Brasil, que obtém 134 milhões de euros pelas exportações da fruta. Nesse quesito, EUA e Honduras invertem de posição com, respectivamente, 112 milhões e 41 milhões de euros.
Se observar somente exportações que têm como origem o continente europeu, o Brasil assume o segundo lugar, já que mais de 97% dos melões exportados pela Guatemala são enviados para os Estados Unidos. Os melões brasileiros, por sua vez, são destinados – em ordem decrescente de volume – para Holanda, Reino Unidos, Espanha e Itália.
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