Um conceito importante para a análise das mudanças que ocorrem no uso da terra é o “ponto de virada”, traduzido do inglês tipping point, algo do tipo ponto mais alto de uma montanha. Matematicamente, o ponto de virada é um valor preciso em que a capacidade de voltar ao estado anterior é muito difícil, ou seja, a partir desse ponto, as mudanças podem ser aceleradas. Quando aplicado a fenômenos climáticos como o aumento de temperatura do ar, diz-se que a volta ao estado estável anterior de menor temperatura é muito difícil e de alto custo.
Um exemplo positivo da aplicação do conceito do ponto de virada poderia ser o desenvolvimento econômico de uma nação, quando esta progride constantemente, mesmo que em taxas variáveis a cada ano. Há, nesse exemplo, um momento preciso em que a nação perde a capacidade de retornar ao estado anterior de atraso e passa a progredir com prosperidade e qualidade de vida para todos. O conceito de ponto de virada também pode ser aplicado para a análise de impactos negativos ao meio ambiente, meio social e também econômico.
Com relação ao meio ambiente, pode-se afirmar que um modelo matemático de distúrbio ambiental em que haja a extinção de uma ou mais espécies ou biótipos pode mostrar na prática o que é um ponto de virada, sem possibilidade de retorno ao estado anterior ou irreversibilidade. Os reflorestamentos destinados à produção de madeira com o restabelecimento de biodiversidade, conservação do solo e equilíbrio no fluxo de água têm sido realizados no Brasil em uma intensidade cada vez maior justamente para reverter parte do impacto ambiental negativo resultante da ação humana nas cidades e no campo.
No sudoeste da Amazônia (noroeste do Brasil), por exemplo, os plantios de pínus, teca, seringueira, paricá (pinho-cuiabano) e eucalipto mostram que essa região poderá atender a exigências do novo Código Florestal dentro de uma perspectiva de viabilidade econômica e de redução de impacto ambiental resultante do desmatamento. A existência de florestas plantadas saudáveis e em produção, utilizando essas espécies, confirma que com trabalho sério e pesquisa é também possível adotar outra lógica de uso da terra, da radiação solar, da água e da biodiversidade, melhorando os atuais sistemas de produção.
Para exemplificar, a pecuária de corte ou de leite, atividade extensiva em muitas propriedades na Amazônia, pode manter baixos níveis de custo e aumentar a renda na terra de uso livre se forem cultivadas 20 árvores comerciais por hectare. Passados os primeiros quatro anos, o produtor já poderá começar a colher uma árvore por hectare ao ano e replantar outra no lugar. Assim, haverá um fluxo contínuo de colheita de árvores, aumento do volume de madeira nas árvores remanescentes e produção de carne e/ou leite na propriedade, com agregação de outros benefícios decorrentes da sombra proporcionada ao gado e melhoria do pasto ao redor das árvores.
Uma árvore por hectare parece pouco, mas em 100 hectares é possível obter pelo menos 30 dúzias de estacas, após quatro anos de cultivo, para uso na divisão do pasto em piquetes, ou 10 dúzias de peças inteiras de 6 m para aplicação em construções e ainda sobra madeira para fazer carvão vegetal. A partir daí, com o planejamento de desrama, colheita e replantio o produtor rural poderá contar com um segundo plano de negócios para uma mesma área e, desse modo, diversificar a produção.
As propriedades que precisam adequar suas áreas de reserva legal poderão realizar o reflorestamento utilizando espécies nativas e também exóticas em até 50% da área. Em área de reserva legal considerada pela legislação como área rural consolidada, ou seja, “imóvel rural com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris, admitidas neste último caso, a adoção do regime de pousio”, o reflorestamento também representa uma opção a ser levada em consideração pelo produtor, preferencialmente com espécies que tenham permissão para plantio, corte, colheita, transporte e comercialização.
Saber aproveitar o cenário criado pela Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, no que concerne ao aproveitamento econômico das áreas a serem reflorestadas, pode ser o diferencial entre ter uma propriedade viável ou inviável economicamente, dada a redução progressiva de área disponível para pastagem ou culturas agrícolas ocorrida com a nova lei. Nesse aspecto, a grande questão que se deve responder é: qual floresta mista deve ser plantada e cuidada para posteriormente ser colhida e replantada?
Outras questões importantes são: como serão os decretos estaduais que regularão as atividades de recomposição florestal por reflorestamento? O volume de madeira a ser colhido nessas áreas de reserva legal reflorestadas será limitado pela Instrução Normativa nº 5, de 11/12/2006, do Ministério do Meio Ambiente (publicada no Diário Oficial da União de 13/12/2006) para plano de manejo florestal sustentável pleno (30 m3/ha em ciclo de 25 a 35 anos)?
De outro ponto de vista, deve-se indagar: o potencial de produção de madeira nessas áreas será maior que o limite de colheita imposto pela lei? Esse limite de colheita inviabiliza ou não o uso econômico dessas áreas para projetos do tipo florestas plantadas, considerando que o preço da madeira é determinado pelo mercado? O limite de colheita de até 300 m3 de madeira por hectare em ciclos mínimos de 20 anos para as áreas reflorestadas em áreas de reserva legal com finalidade econômica, que hoje estão degradadas e improdutivas, seria prejudicial ao meio ambiente? Será que essas mudanças poderiam estimular os produtores a fazerem o reflorestamento das áreas de reserva legal e, consequentemente, das áreas de preservação permanente?
Considerando o manejo florestal como o desenvolvimento e a aplicação de técnicas e tecnologias para o desenvolvimento sustentável econômico, ambiental e social para as gerações atuais e futuras, testar as hipóteses aqui colocadas pode contribuir para trazer as respostas que a sociedade precisa para aumentar a resiliência ao mau uso da terra na Amazônia. No entanto, ao considerar a definição legal de manejo florestal sustentável, de acordo com a lei de gestão de florestas públicas, ou seja, “manejo florestal sustentável é a administração da floresta para a obtenção de benefícios econômicos, sociais e ambientais, respeitando-se os mecanismos de sustentação do ecossistema objeto do manejo e considerando-se, cumulativa ou alternativamente, a utilização de múltiplas espécies madeireiras, de múltiplos produtos e subprodutos não madeireiros, bem como a utilização de outros bens e serviços de natureza florestal”, o foco pode ser apenas administrativo sobre o que já existe de floresta nativa, sem mencionar os conceitos relativos ao desenvolvimento sustentável e ao desenvolvimento científico-tecnológico necessário para gerar benefícios as gerações atuais e futuras. Portanto, a abordagem acadêmica e a abordagem legal são complementares e em algum ponto semelhantes, não deixando dúvidas de que só é possível administrar bem o que se conhece bem.
Na prática, o mercado irá determinar o valor do metro cúbico da madeira no futuro, contudo, se esse valor for R$ 15,00, atual preço de mercado da madeira de floresta primária, quando a árvore é comprada em pé, a renda líquida por hectare só será positiva se houver grande escala de produção. Nesse contexto, seria possível aumentar o leque de possibilidades de manejo florestal na Amazônia, em áreas de reserva legal reflorestadas, com intensidades de exploração de acordo com a produtividade dos diferentes tipos de florestas e ambientes, mantendo sempre uma cobertura florestal na área explorada e esperando o momento certo de colher para fazer o melhor negócio.
Embora os custos para implantar e conduzir uma floresta sejam altos é importante que o produtor rural possa contar com recursos não reembolsáveis de fundo financeiro de fomento a atividades florestais produtivas para cobrir essas despesas, caso contrário o empreendimento poderá ser inviável e a propriedade ficar em risco.
Em cenário técnico e economicamente mais favorável aos empreendimentos florestais, proporcionado pela aprovação de decretos estaduais, deverão surgir muitos adeptos de uma economia florestal capaz de fortalecer a cultura de florestas plantadas no Acre e no delta do Sudoeste da Amazônia, região que inclui o norte de Rondônia e o sul do Amazonas.
A seringueira, árvore de dupla aptidão (madeira e borracha), pode integrar projetos de reflorestamento em consórcio com espécies arbóreas exóticas como eucalipto, teca ou pínus tropical. Se os decretos estaduais permitirem o aproveitamento dessas espécies como madeira, além da produção da borracha de seringueira, resina de pínus e comercialização de créditos de carbono, haverá sistemas de produção interessantes e capazes de viabilizar o uso florestal de áreas desmatadas.
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