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O Brasil é um dos países que mais utiliza o controle biológico para o combate a insetos-praga. Essa técnica já vêm sendo utilizada no país há vários anos em diferentes culturas agrícolas e na pecuária. A cultura da cana-de-açúcar é um bom exemplo disso. O controle biológico apresenta um potencial enorme para ser cada vez mais utilizado, dada a grande ênfase que existe atualmente em se obter alimentos mais saudáveis, proteger o meio ambiente aumentando a sustentabilidade das áreas de cultivo (ALVES, 2006).

Ao se abordar esse tema, é importante se entender bem o conceito de controle biológico, e existem várias formas de se defini-lo. Aqui ele pode ser compreendido como o método que consiste no controle de pragas por meio de inimigos naturais, que são os organismos que mantém os níveis de população dessas pragas em equilíbrio. O controle biológico deve sempre ser considerado um componente de programas de Manejo Integrado de Pragas (MIP), ao lado de outros métodos de controle de insetos (GALLO et al., 1978).

Alguns organismos, que são 100% naturais, possuem maior potencial para o controle biológico de pragas, como os fungos, bactérias, vírus e insetos parasitoides. Isso porque é possível multiplicá-los em maior escala em laboratórios, além de serem de fácil aplicação ou liberação no campo. Nenhum deles é prejudicial ao ser humano ou ao meio ambiente, pois atuam especificamente em insetos (ALVES, 2011).

A utilização do controle biológico apresenta várias vantagens sobre o uso de inseticidas químicos. O controle apresenta especificidade na maioria das vezes, isto é, age apenas em relação à praga visada, sem afetar outros insetos e inimigos naturais. Esses organismos utilizados apresentam capacidade de multiplicação e dispersão natural no campo. Por isso, podem ser inseridos na lavoura por meio de liberação simples no campo ou aplicação com equipamento convencional. Além de não causar poluição ou toxicidade, o método permite controle mais duradouro, pois os insetos-praga dificilmente poderão se tornar resistentes aos patógenos ou ao ataque de parasitos (ALVES, 1998).

Não se pode deixar de lado as vantagens econômicas para o produtor que utiliza o controle biológico. Os produtos utilizados nesse método normalmente são mais baratos que os produtos químicos. Além disso, esse controle pode ser pode ser utilizado em cultivos orgânicos, que é um mercado que está em franca expansão por produzir alimentos mais saudáveis.

 Novos resultados de pesquisa são sempre necessários e têm ajudado a aperfeiçoar técnicas de produção em larga escala, formulação, armazenamento e de aplicação no campo visando um aumento da eficiência desses inimigos naturais contra diferentes pragas (ALVES & FARIA, 2010).

O fungo benéfico Metarhizium anisopliae é utilizado para o controle da cigarrinha-da-folha da cana-de-açúcar, Mahanarva posticata, no Nordeste e no controle das cigarrinhas-da-raiz da cana no Sudeste e Centro-Oeste do Brasil que atualmente sabe-se que existem, pelo menos, três diferentes espécies: Mahanarva fimbriolata, Mahanarva liturata e Mahanarva spectabilis (ALVES & CARVALHO, 2014).

Esse fungo vem sendo utilizado em grande escala desde a década de 70 e está sendo cada vez mais aperfeiçoado pela pesquisa e, consequentemente, sendo mais eficiente ao longo do tempo. Praticamente todas as áreas de produção de cana orgânica utilizam esse tipo de controle além de grandes áreas com o cultivo convencional.

As cigarrinhas-da-raiz da cana tiveram suas infestações aumentadas nos últimos anos com o aumento rápido e crescente da colheita da cana crua. Isso porque a fêmea adulta da cigarrinha coloca seus ovos no solo e grande parte na palhada. Chegando a época das chuvas as ninfas saem dos ovos e caminham para a base da cana onde se fixam e começam a sugar 24 horas por dia. O próprio acúmulo de palhada tem criado um microclima favorável para essas ninfas, as mantendo com mais umidade e diminuído a qualidade das aplicações por servir de barreira física entre os produtos aplicados e as ninfas na base da planta.

Atualmente existem 33 produtos com registro para o controle das cigarrinhas-da-raiz: 12 químicos e 11 biológicos à base de Metarhizium anisopliae nas formulações pó molhável, granulada e suspensão concentrada.

Na hora da compra do produto biológico é muito importante que se leve em consideração a qualidade do bioinseticida: conter a dose mínima necessária (de 1 x 1012 e 5 x 1012 esporos/ha), alta virulência e alta viabilidade (mínimo de 80% de germinação) de esporos do fungo, boa formulação, fácil aplicação, fácil transporte, fácil armazenamento e boa eficiência de controle da praga. Já existem bons produtos no mercado que atendem a todos esses requerimentos.

O fungo Metarhizium anisopliae tem ação via contato. Na aplicação, os esporos do fungo podem cair diretamente sobre o corpo dos insetos ou ficarem na folhagem e base da planta onde acabarão entrando em contato com o inseto.

A aplicação pode ser via terrestre ou via aérea. Via terrestre pode ser feita com pulverizadores autopropelidos (tipo Uniport) ou com tratores equipados com pulverizadores de barras com bicos hidráulicos com jato dirigido para a base da cana onde ficam as ninfas. O volume de aplicação pode ficar entre 150 e 200 litros por hectare (l/ha).

Via aérea pode ser feita com aviões agrícolas equipados com barra pulverizadora e bicos hidráulicos do tipo cone vazio e volume de aplicação de 30 l/ha. Isso porque este volume de aplicação consegue pulverizar entre 20 e 30 gotas/cm2 sobre papéis sensitivos à água. As especificações são: disco D10, core 45°, ângulo de 90°, pressão de 30 psi, velocidade entre 160 e 170 km/hora e largura da faixa de aplicação de 18 metros. Altura de vôo entre 3 e 4 metros. Isso para produtos à base de água como os pós molháveis e suspensões concentradas onde se obterá uma aplicação de alta qualidade (produtos biológicos mais modernos na opinião do autor).

Para as formulações granuladas o avião agrícola deve estar equipado com o Swatchmaster de baixa vazão ajustado para aplicar 10 kg/ha. A abertura da tampa de alijamento deve ser de 2,5 cm e largura da faixa de aplicação de 18 metros. A velocidade entre 160 e 170 km/hora e a altura de vôo entre 3 e 4 metros. A eficiência de deposição dos esporos do fungo no alvo na base da planta com os grânulos foi 100% em trabalho realizado por ALVES et al. (2016).

Antes de se realizar qualquer tipo de aplicação, deve-se acompanhar o crescimento semanal da população de ninfas por metro linear no canavial, que deve ser iniciado logo após as primeiras chuvas. Pode-se escolher um hectare bem representativo de um talhão para servir de base na tomada de decisão de se aplicar o produto biológico ou até mesmo o químico. Essa avaliação pode ser feita em 40 pontos de 2 m lineares por hectare (divide-se a média final por 2 para obter por 1 metro linear), sem repetir o mesmo local até o final das avaliações. Se não houver tempo ou mão-de-obra na usina para se fazer os 40 pontos, pode-se diminuir esse número. O importante é se obter um histórico semanal da população das ninfas para se determinar e se planejar as aplicações nas áreas prioritárias. Geralmente as populações de ninfas de cigarrinha-da-raiz aparecem em locais com mais umidade no solo, como áreas próximas a rios, lagoas, represas, pois isso vai favorecer a eclosão de ninfas mais cedo que em outras áreas menos úmidas. Onde existe mais umidade no solo a planta também fica mais verde e favorável para a sucção da seiva pelas ninfas.

Para se fazer a primeira aplicação do fungo, é necessário que a população média inicial esteja atingindo o Nível de Dano Econômico (NDE).

Segundo Dinardo-Miranda (2003), o NDE está entre 4 e 10 ninfas/m, ficando mais próximo de 4 em canaviais colhidos no final da safra e próximo de 10 em canaviais colhidos no início da safra. Isto pode variar um pouco, de acordo com a variedade e o nível nutricional da planta. Planta bem nutrida sempre se recupera melhor.

A segunda aplicação pode ser feita 30 dias após a primeira aplicação, quando a cana estará mais alta. Algumas usinas chegam a fazer uma terceira aplicação 30 dias após a segunda, porém se conseguirmos realizar duas boas aplicações, essa terceira não será necessária.

É importante saber o nível populacional das ninfas de cigarrinhas durante o desenvolvimento da cana para o planejamento das aplicações de produtos no canavial, porém o que realmente vai ser mais importante será a produtividade em toneladas por hectare, o valor do açúcar total recuperável (ATR) e finalmente o cálculo do número de toneladas de açúcar por hectare que é o produto final da usina. Nem sempre uma área em que a população de cigarrinhas foi mais alta, essa área será a menos produtiva. Como foi dito anteriormente, depende também da variedade e estado nutricional do canavial.

Uma sugestão final é utilizar um enleirador/desenleirador de palha de cana crua após o corte da cana para afastar o excesso de palhada da base da planta. Com isso, consegue-se afastar muitas ninfas do local de sucção, pois muitos ovos estão na palhada de onde sairão as novas ninfas. Uma segunda vantagem é diminuir o microclima favorável para as ninfas na base da cana e por último abrir o caminho para que as pulverizações sejam mais eficientes, sem a barreira física que é a citada palhada.

Como curiosidade, esse mesmo fungo, Metarhizium anisopliae, também é benéfico para a pecuária. Ele é utilizado no controle de espécies de cigarrinha-das-pastagens nas regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste do Brasil. A vantagem de sua aplicação é que não é necessário retirar o gado da pastagem durante a aplicação. Como resultado também é possível produzir carne e leite de qualidade, sem resíduos de agrotóxicos.

Na cultura da cana-de-açúcar, temos ainda a utilização, em grande escala, de insetos parasitoides como a vespinha Cotesia flavipes e a vespinha Trichogramma, utilizadas no controle biológico de outra importante praga que é a broca-da-cana-de-açúcar.

Este artigo nos fornece um panorama resumido do uso do fungo Metarhizium anisopliae para o controle biológico das cigarrinhas-da-raiz da cana-de-açúcar, com informações técnicas de grande valor. A difusão dessas informações e o maior conhecimento do produtor sobre o assunto contribui para o aumento do uso adequado do controle biológico de insetos-praga, o que favorece toda a população. A longo prazo, isso pode significar diminuição dos resíduos químicos nos alimentos, da contaminação dos recursos naturais e das intoxicações dos trabalhadores rurais brasileiros.


Referências bibliográficas

ALVES, R. T. Controle biológico de insetos-praga. In: Fábio Gelape Faleiro; Solange Rocha M. de Andrade; Fábio Bueno dos Reis Junior. (Org.). Biotecnologia: estado da arte e aplicações na agropecuária. 1 ed. Planaltina - DF: Embrapa Cerrados, 2011, p. 381-409.

ALVES, R. T. Produção, Formulação e Aplicação de Fungos para o Controle de Pragas. In: Eduardo Cyrino Oliveira-Filho; Rose Gomes Monnerat. (Org.). Fundamentos para a Regulação de Semioquímicos, Inimigos Naturais e Agentes Microbiológicos de Controle de Pragas. 1 ed. Planaltina - DF: Embrapa Cerrados, 2006, p. 239-253.

ALVES, R.T. & CARVALHO, G. S. Primeiro registro das espécies de cigarrinhas-da-raiz da cana-de-açúcar Mahanarva spectabilis (Distant) e Mahanarva liturata (Le Peletier & Serville) atacando canaviais na região de Goianésia, Estado de Goiás, Brasil. Arquivos do Instituto Biológico, v.81, n.1 p. 83-85, 2014.

ALVES, R.T. & FARIA, M. Pequeno manual sobre fungos entomopatogênicos. Planaltina: Embrapa Cerrados. Documentos, 286, 2010. 50p.

ALVES, R. T.; CRUVINEL, P. E.; SOARES, R. M.; MALAQUIAS, J. V. Nova metodologia para avaliar a deposição de micoinseticida granulado, aplicado via aérea, para controle de cigarrinhas-da-raiz da cana-de-açúcar. Boletim de pesquisa e desenvolvimento n° 332. Planaltina, Embrapa Cerrados, 2016. 19 p.

ALVES, S. B. Controle Microbiano de Insetos. Piracicaba, FEALQ, 1998. 1163 p.

DINARDO-MIRANDA, L. L. Cigarrinha-das-raízes em cana-de-açúcar. Campinas: Instituto Agronômico, 2003. 72 p.

GALLO, D.; NAKANO, O.; SILVEIRA NETO, S.; CARVALHO, R.P.L.; BATISTA, G.C.; BERTI FILHO, E.; PARRA, J.R.P.; ZUCCHI, R.A.; ALVES, S.B.; VENDRAMIM, J.D. Manual de Entomologia Agrícola. Ed. Agronômica Ceres Ltda. São Paulo, 1978. 531 p.
 

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