|
|
Fernanda Diniz, Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia
10/08/2016
|
Carregando...
O mofo-branco é uma das piores ameaças à agricultura brasileira, especialmente para lavouras de grãos. Sozinho, pode ser responsável por até 30% de perda da produção em um campo agrícola. A doença foi identificada pela primeira vez no Brasil na década de 1970, no Estado do Paraná, em plantas de feijão. Ao longo dessas mais de quatro décadas, além de se espalhar por quase todos os estados, com destaque para Bahia, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais, ampliou também o seu espectro de destruição e passou a contaminar outras culturas agrícolas, especialmente soja e algodão.
Na verdade, mais de 400 espécies de plantas pertencentes a cerca de 200 gêneros botânicos podem ser hospedeiras do fungo causador dessa doença, o Sclerotinia sclerotiorum. Por isso, não é exagero dizer que o mofo-branco é hoje uma das piores doenças enfrentadas pelos produtores rurais. Segundo dados do Departamento de Fitopatologia da Universidade de Brasília (UnB), a estimativa é de que 6 milhões de hectares no País, de um total de 70 milhões de áreas cultivadas, apresentem a doença, o que significa que aproximadamente 9% das áreas estejam contaminadas.
O controle desse fungo é extremamente difícil. Mesmo com mais de 19 fungicidas de sete princípios ativos diferentes, autorizados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para o controle do mofo-branco, a doença continua avançando de forma alarmante. Se o fungo encontra as condições ambientais favoráveis para se proliferar, é quase impossível deter seus danos às plantações.
Parte desse poder devastador do Sclerotinia sclerotiorum pode ser explicado pelo fato de ele ser um fungo necrotrófico, como explica o pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia Francisco Aragão. Isso significa que é capaz de matar diretamente as células da planta atacada, causando a destruição total de suas estruturas vitais em um tempo curto.
Os fungos fitopatógenos – que atacam plantas - podem ser divididos em dois grupos: biotróficos e necrotróficos. Os biotróficos são parasitas que extraem seus nutrientes de tecidos vivos, ou seja, exercem o parasitismo em plantas vivas, apresentando um alto grau de especificidade. Os fungos necrotróficos, ao contrário dos biotróficos, têm a habilidade de extrair nutrientes de tecidos mortos do hospedeiro. "O que diferencia esses patógenos é que, enquanto os biotróficos colonizam primeiro os tecidos das plantas para depois atacá-los, os necrotróficos se alimentam dos tecidos mortos. Ou seja, matam as células para, em seguida, se alimentar delas. O que os torna muito mais patogênicos, menos específicos e mais difíceis de controlar", diz Aragão.
Alternativa ao controle com fungicidas
Diante da ineficiência do controle do Sclerotinia sclerotiorum com fungicidas, sem falar no impacto que esses produtos causam ao meio ambiente, os cientistas têm buscado soluções alternativas e mais sustentáveis para o controle desse fungo. Uma das alternativas possíveis é o desenvolvimento de plantas resistentes aos seus ataques. Mas como fazer isso? O silenciamento gênico tem se mostrado uma ferramenta promissora à disposição da ciência nesse sentido. Sua compreensão é quase literal, ou seja, os cientistas "silenciam" os efeitos dos genes, impedindo que se expressem nas células.
Como em ciência nada é tão simples assim, é preciso compreender melhor o mecanismo utilizado para silenciar um gene. Grosso modo, funciona da seguinte maneira: os cientistas introduzem, no organismo que desejam modificar, um gene que produz uma sequência de RNAs interferentes (siRNA). Como o próprio nome já diz, esta sequência vai interferir no funcionamento dos genes do organismo a ser modificado, impedindo que o gene se expresse. O silenciamento gênico, também conhecido como interferência mediada por RNA (RNAi), é o desligamento de genes específicos, alvos da inibição.
Se voltarmos ao que aprendemos nas aulas de biologia, o DNA é o que carrega todo o nosso código genético. O RNA é o responsável por transportar essas características e converter a mensagem genética em proteínas. O RNA interferente altera esse processo, impedindo a formação de proteínas ou, melhor ainda, inibindo a expressão do gene que se quer silenciar.
Essa metodologia vem sendo utilizada com êxito em vários países, até mesmo no Brasil, para controlar doenças causadas por bactérias, nematoides e insetos. Agora vem sendo usada também para fungos biotróficos e necrotróficos.
Interação inédita entre planta e fungo
A interferência em genes de fungos mediada por pequenos RNAs produzidos em plantas modificadas não havia sido conseguida até que, em 2009, a equipe da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, coordenada pelo pesquisador Francisco Aragão, silenciou os genes de um fungo a partir de uma planta modificada por engenharia genética. Segundo o pesquisador, até então, já se havia conseguido dominar com êxito as interações entre planta-inseto, planta-nematoide e planta-planta, mas não planta-fungo.
Os resultados, chamados pelos cientistas de "prova de conceito", foram obtidos com um gene marcador conhecido como GUS, que é um tipo de gene chamado de "repórter", pois permite facilmente a detecção das células em que o gene está funcional. Ou seja, o gene GUS é introduzido na planta junto com o gene de interesse. Ele identifica o local no qual o gene de interesse foi inserido, pois gera um precipitado de coloração azul, distinguindo as células que receberam o DNA recombinante. O GUS reporta – daí o nome – a presença de outro gene, que é o de interesse, comprovando a incorporação deste último ao genoma da planta.
O passo a passo
Como é impossível se livrar do fungo na natureza, a solução é tornar a planta apta a se defender dos seus ataques. É possível uma comparação ao que acontece com os seres humanos. Como é impossível nos protegermos dos inúmeros microrganismos que estão no ambiente, como bactérias, fungos e vírus, o jeito é nos tornarmos aptos a resistir a seus ataques, com vacinas e remédios, como os antibióticos.
O mesmo acontece com as plantas. Quando as soluções existentes no mercado, no caso os fungicidas, não são eficientes para livrá-las dos efeitos nocivos dos patógenos, o jeito é recorrer a estratégias mais sofisticadas de controle, como a engenharia genética, por exemplo. Só que havia uma pedra nesse caminho. E a pedra era exatamente a interação planta-fungo envolvendo a linguagem do RNA, que não havia sido mostrada até então. Era preciso transpor esse obstáculo.
A transformação genética de plantas já é mais do que dominada no Brasil. O problema era conseguir fazer com que o gene inserido na planta fosse capaz de silenciar o gene do fungo.
A metodologia utilizada nesse caso é chamada de HIGS (Host-induced gene silencing), que significa silenciar os genes em outro organismo e não no organismo no qual os RNAs são produzidos. Traduzindo: os cientistas introduzem na planta uma sequência de RNA interferente que vai gerar uma série de pequenos fragmentos denominados siRNAs, ou small interfering RNAs. O objetivo é que reconheçam o RNA do fungo, silenciando um de seus genes vitais e prejudicando o seu ciclo de vida.
Em 2009, a prova de conceito conduzida pelo pesquisador Francisco Aragão e sua equipe mostrou que esse objetivo era completamente factível. Gol de placa para os cientistas, que comemoraram ao ver o fungo todo azul, pelo efeito do gene marcador GUS, que havia sido inserido na planta de tabaco utilizada como teste.
"Esses resultados nos mostraram que era possível intervir na interação planta e fungo e abriram portas para que continuássemos os estudos, com fungos causadores de doenças agrícolas", explica Aragão.
O caminho estava, então, dominado? Não. Os pesquisadores conseguiram comprovar que planta e fungo são capazes de interagir em nível molecular e sabiam que a metodologia HIGS era eficaz para ser utilizada. Um longo caminho, no entanto, cheio de dúvidas ainda existia pela frente para se chegar a um resultado capaz de controlar o próximo alvo dos cientistas: o fungo Sclerotinia sclerotiorum. De acordo com Francisco Aragão, primeiro era preciso definir um gene vital do fungo a ser silenciado, e, o mais importante, que não prejudicasse a planta.
No caso do fungo causador do mofo-branco, foi preciso identificar um gene vital do microrganismo a ser silenciado, sem prejudicar a planta. Aragão e sua equipe encontraram alguns genes promissores, como o da quitina-sintase, responsável pela produção de quitina, um componente essencial da parede celular do fungo, sem o qual sua sobrevivência fica comprometida.
E deu certo. Os resultados, frutos da tese de doutorado de Cristiana Andrade, que compõe a equipe do pesquisador Francisco Aragão, foram tão promissores que o estudo foi tema de artigo na revista internacional Plant Pathology em 2015. As pesquisas foram realizadas com plantas de tabaco, muito utilizadas como modelo em experimentos científicos, e mostraram uma significativa redução dos sintomas causados pelo fungo em relação às plantas não transgênicas. Após 72 horas da inoculação da planta (infecção pelo patógeno), cinco linhagens transgênicas mostraram redução da severidade da doença em níveis bem altos – de 55,5 a 86,7%.
Os resultados comprovaram ainda que, após 120 horas de exposição ao fungo, plantas geneticamente modificadas mantiveram a diminuição da área lesionada, ao contrário das convencionais, nas quais cresceu significativamente.
Futuro: outros fungos no foco
Os resultados promissores obtidos neste experimento com a metodologia HIGS animaram a equipe da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia que pretende, agora, continuar os estudos com outros genes do Sclerotinia sclerotiorum e de outros fungos prejudiciais às lavouras nacionais.
"Os fungos estão entre os maiores causadores de perdas na agricultura brasileira. Os danos causados por esses patógenos impactam fortemente os custos de produção e, por consequência, os custos dos alimentos para os consumidores, reduzem a qualidade das plantas e prejudicam as exportações", ressalta Aragão. Mais: o uso excessivo de fungicidas e outros defensivos prejudica o meio ambiente e outorga ao Brasil o triste predicado de ser o número um do mundo no que se refere à utilização de agrotóxicos.
A engenharia genética e suas ferramentas são fortes aliadas nesse propósito. "A metodologia HIGS, que possibilita silenciar genes de outros organismos a partir de alterações genéticas nos hospedeiros já provou ter um grande potencial para fungos, o que foi uma grande vitória", comemora Aragão.
Os próximos alvos do pesquisador e sua equipe são os fungos do gênero Fusarium, causadores de doenças conhecidas como fusarioses em várias culturas agrícolas. Os sintomas são diversificados - podridões, morte de plântulas, aborto de flores, podridões de armazenamento e outros –, e os prejuízos são grandes. Várias culturas de importância socioeconômica para o Brasil são vítimas desses patógenos, como, por exemplo, abacate, abacaxi, alface, algodão, alho, banana, arroz, dendê, manga, milho, quiabo, uva, trigo, soja e ervilha, entre outras.
Isso mostra que, além de reduzir significativamente o tamanho da lesão, ou seja, o nível da contaminação – em quase 90% -, a técnica foi capaz de manter essa característica por vários dias. Embora a planta não tenha sido imune, se tornou bastante tolerante ao fungo.
Navegue
Artigo na revista Palnt Pathology, 2015
|