Em razão do regime favorável de chuvas, a Conab, no seu relatório de levantamento de safra do mês de julho, melhorou as estimativas de produtividade da segunda safra de milho no Brasil do ano agrícola 2014/15. Consequentemente, a projeção da atual safra de milho passou de 80,2 milhões de toneladas (t) para 81,8 milhões de toneladas. Além da óbvia boa notícia, essa atualização da Conab proporcionou a quebra de uma marca relevante para a produção de milho no mundo.
No relatório do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), relativo a estimativas mundiais de oferta de demandas agrícolas do mês de junho, a produção mundial de milho na safra 2014/15 foi calculada em 999,45 milhões de toneladas. Com a atualização das estimativas da Conab, o relatório do USDA para o mês de julho também aumentou a produção brasileira para a referida safra, resultando na produção estimada de milho de 1 bilhão de toneladas. É a primeira vez que alguma cultura agrícola ultrapassa essa marca, o que nos faz refletir sobre os desafios da produção de alimentos em um mundo cada vez mais povoado.
No final do século 18, numa Europa que testemunhava uma explosão demográfica sem precedentes na história da humanidade, o economista britânico Thomas Malthus preconizava um futuro com escassez de alimentos. Malthus defendia a ideia de que o crescimento da população era geométrico, enquanto o crescimento dos alimentos ocorreria apenas a taxas aritméticas.
O assunto também não passou em branco pela ficção científica. O livro clássico “2001: uma odisseia no espaço”, de Arthur Clarke, antevia um mundo ao final do século 20 que também sofria com a carência de alimentos. Segundo um trecho do livro, “havia falta de comida em todos os países; até mesmo os Estados Unidos tinham dias sem carne, e previa-se uma fome generalizada em quinze anos”.
Acontece que entramos no século 21, e, a despeito de muitas previsões fatalistas, a produção de alimentos ainda tem crescido acima do crescimento populacional. Atualmente, algumas estimativas apontam que a população mundial alcançou 7,3 bilhões de pessoas, o que é 82,5% superior às 4 bilhões existentes em 1974. Por outro lado, a produção de alimentos cresceu a taxas ainda maiores. Nesse mesmo período, por exemplo, a produção de milho aumentou 227% e a de trigo 102%.
Obviamente, pode-se questionar a real capacidade do planeta em sustentar tamanho nível de produção, mas esse é um debate complexo que merece mais do que algumas linhas de discussão. O que há de concreto é que a humanidade tem se superado na produção de alimentos, apesar dos propalados problemas de aquecimento global.
Qual o impacto hoje da produção de 1 bilhão de toneladas de milho? Em termos práticos, os níveis atuais de produção do milho devem garantir preços historicamente baixos no curto prazo, principalmente quando comparados às cotações do segundo semestre de 2012 e no decorrer de 2013.
Por outro lado, a marca histórica não deve ser motivo de pânico para os produtores de milho ao redor do globo, no que se refere aos preços, pois há boas notícias para a safra vindoura. As últimas projeções do USDA para a safra de 2015/16, que já se iniciou no Hemisfério Norte, apontam para uma ligeira diminuição da produção mundial (14,6 milhões de t), aumento de consumo (8,6 milhões de t) e, consequentemente, redução dos estoques (4 milhões de t).
A expectativa de queda da produção nos Estados Unidos é a responsável pela redução em escala global, dado que o país é o maior produtor e consumidor do cereal. Para a safra 2015/16, além da redução de 600 mil hectares de área plantada com milho, o excesso de chuvas tem comprometido o desenvolvimento das lavouras, impactando negativamente a produtividade.
Apesar das modificações relativamente pequenas, elas dão suporte a preços mais altos do que os vigentes na primeira metade de 2015 no mercado internacional. Por isso, diversos analistas têm projetado um pequeno aumento dos preços globais do milho para a safra 2015/16.
Em relação ao Brasil, a depreciação da taxa de câmbio também preocupa. Isso porque o dólar valorizado é uma faca de dois gumes. Se de um lado beneficia a receita da exportação (pois o exportador consegue mais reais pelo milho vendido em dólar), de outro pesa nos custos de produção por causa dos insumos importados. Considerando que menos de 30% da produção é exportada, logo beneficiada pelo real depreciado, e que quase 100% é afetada pelo encarecimento dos insumos importados, é possível visualizar o balanço das perdas e ganhos dos atuais patamares da taxa de câmbio.
Por causa do câmbio e de preços pouco atrativos, é possível que ocorra diminuição dos investimentos na safra brasileira de milho em 2015/16, o que pode impactar diretamente a produtividade. Por outro lado, o clima sempre pode nos surpreender e garantir uma grande safra. No final das contas, analisando as informações disponíveis no momento, a única afirmativa sensata sobre a próxima safra é de que só o tempo dirá se ela será boa ou ruim.
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