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Controle Biológico      
Controle biológico melhora qualidade do café
Em entrevista, Sara Chalfoun, pesquisadora Epamig, fala sobre como técnica também assegura sustentabilidade ao café brasileiro
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Flávia Bessa, Embrapa Café
24/03/2016

A pesquisa cafeeira, atenta à necessidade crescente de desenvolver produtos mais saudáveis e com menos interferência no equilíbrio do meio ambiente, investe há décadas também em soluções naturais, como o controle biológico, para combater doenças e pragas que afetam as lavouras. Como parte de trabalho de mais de 20 anos de pesquisa, foi descoberto no cafeeiro o fungo Cladosporium cladosporioides, que possui propriedades biofungicidas que combatem outros fungos que deterioram o café, atribuindo à bebida boa qualidade e valorizando o produto. A pesquisa é desenvolvida pela Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais – Epamig, em parceria com a Universidade Federal de Lavras – Ufla, e conta com apoio do Consórcio Pesquisa Café, coordenado pela Embrapa Café, e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais – Fapemig.

Essa descoberta gerou um produto biotecnológico cuja patente foi depositada pela Epamig em 2004 e está disponível para firmar parcerias de transferência da tecnologia com empresas tradicionalmente produtoras e vendedoras de defensivos. A tecnologia se refere a métodos de multiplicação e conservação do Cladosporium cladosporioides para utilização no campo como agente bioprotetor. E, ainda, permite o uso na produção industrial de enzimas, utilizadas em diferentes processos de proteção da qualidade do café.

Para saber do desenvolvimento desse trabalho, seus desdobramentos e perspectivas, a Embrapa Café entrevistou a coordenadora do estudo, Sara Maria Chalfoun, doutora em Fitotecnia e pesquisadora da Unidade Sul de Minas da Epamig. Sara é também colaboradora, bolsista e professora voluntária em instituições como Fapemig, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Café – INCT Café e Ufla. Seus trabalhos contemplam as áreas de fitossanidade, microbiologia e inovação tecnológica visando à qualidade do café.

Embrapa Café: Como foi o processo de identificação do fungo e o que representa essa descoberta? Em que projeto e a partir de quando iniciaram as pesquisas desse produto de controle biológico?
Sara Chalfoun: O fungo foi identificado ao se estudar o papel de microrganismos associados aos frutos e grãos de café em relação à qualidade. Quando falamos qualidade, pensamos não só nas características sensoriais do café, mas também nas características de segurança. Por ocasião do início das pesquisas, tínhamos uma preocupação especial com os fungos produtores de ocratoxina A (micotoxina). Observou-se que quando um fungo (identificado como Cladosporium cladosporioides Fres. De Vries) encontrava-se associado aos frutos de café ainda na planta, outros fungos comprovadamente prejudiciais à qualidade não se desenvolviam. As primeiras observações foram efetuadas em 1989 e as pesquisas relacionadas à possibilidade de multiplicação do fungo para aplicação no campo iniciaram-se em 2007, quando o projeto visando ao desenvolvimento de processo de obtenção de produto à base do microrganismo foi selecionado pelo Programa de Incentivo à Inovação da Ufla, do Governo de Minas Gerais, por meio da Secretaria de Estado Ciência e Tecnologia e Ensino Superior.

Embrapa Café: Quais as parcerias (entidades e equipe técnica) e os recursos envolvidos desde o início da pesquisa?
Sara Chalfoun: Várias parcerias foram estabelecidas e uma biofábrica foi equipada. Entre as parcerias, pode-se citar, além da Fapemig e da Ufla, o Polo de Excelência do Café, o INCT Café e o CNPq. Essas instituições forneceram recursos necessários e estrutura física de equipamentos e pessoal (bolsistas de graduação, mestrado e doutorado).

Embrapa Café: Em condições naturais, onde, como e quando o fungo se instala no grão e como pode ser preservado? Quais microorganismos combate e de que forma?
Sara Chalfoun: O fungo ocorre naturalmente sobre os frutos que permanecem na planta após a maturação. Pode ser preservado selecionando-se, entre os fungicidas recomendados para o controle fitossanitário de doenças que ocorrem durante o ciclo da cultura, os que possuam efeito seletivo sobre o fungo C. cladosporioides, que desejamos preservar. Os microrganismos que esse fungo controla são relacionados com a deterioração da qualidade dos frutos, como os fungos dos gêneros Fusarium, Penicillium, Aspegillus, entre outros. As formas de controle são hiperparasitismo e antibiose. O hiperparasitismo consiste no desenvolvimento do fungo C.cladosporioides sobre os fungos que ocorrem associados aos frutos de café citados anteriormente, limitando o seu desenvolvimento. A antibiose consiste na produção de metabólitos que reduzem o desenvolvimento desses mesmos fungos.

Embrapa Café: Em laboratório, como foi isolado e é manipulado? Há multiplicação em larga escala desse fungo?
Sara Chalfoun: Em laboratório, o fungo é isolado de frutos de café, identificado e mantido em coleção fúngica. A multiplicação não é feita em larga escala porque a estrutura da biofábrica não comporta, sendo fabricados pequenos lotes do produto para fins experimentais.

Embrapa Café: Além do ambiente de laboratório, onde e como os estudos foram e estão sendo desenvolvidos em regime de teste e quais as principais conclusões até o momento? Na prática, quando e como é inoculado o fungo? É pulverizado na lavoura ou durante o processamento, antes da colheita ou no pós-colheita? Qual a quantidade aplicada por grão ou frutos/hectare?
Sara Chalfoun: As primeiras constatações sobre a ação bioprotetora do fungo foram efetuadas em observações no campo, ou seja, em áreas em que o fungo predominava em frutos colhidos e processados, o que propiciava a produção de cafés de melhor qualidade em relação aos cafés obtidos de frutos em locais onde o fungo não ocorria. As conclusões até o momento apontam que o fungo C cladosporioides, por sua ação antagônica, controla os fungos deterioradores da qualidade do café que incidem nos frutos e permanecem na planta após atingirem o estádio de completa maturação. Tal fato ocorre, já que incidem sucessivas floradas e o ponto de colheita é definido como aquele no qual há o máximo de frutos no estádio ideal de colheita (popularmente conhecido como cereja), com uma porcentagem mínima de verdes e sem que os frutos que amadurecem primeiro, ou seja, os resultantes das primeiras floradas, não tenham caído. Dessa forma, uma parcela variável de frutos ultrapassa o ponto ideal de maturação para colheita, permanecendo nas plantas. Passado o ponto de máxima maturação, os frutos entram na fase de senescência (envelhecimento), na qual suas defesas naturais contra os fungos deterioradores da qualidade decrescem. Dessa forma, a introdução do fungo C cladosporioides onde, por qualquer circunstância, deixou de ocorrer ou teve sua ocorrência reduzida, pode resultar em preservação da qualidade dessa parcela de frutos em até 15% do total de frutos produzidos. A aplicação do produto biológico deve ser efetuada no início da maturação dos frutos e repetida 30- 45 dias após. A concentração recomendada é de 2kg ou 2L/ha.

Embrapa Café: Quais as características benéficas do fungo para o café? E para a qualidade sensorial bebida, a preservação do meio ambiente, a segurança alimentar do consumidor e a segurança do trabalhador que irá manipulá-lo durante aplicação?
Sara Chalfoun: As características benéficas do fungo são aquelas resultantes de sua ação antagônica em relação aos fungos deterioradores da qualidade sensorial da bebida e fungos produtores de ocratoxina A, podendo-se citar ainda a segurança alimentar e o fato de ser boa alternativa de controle biológico. Com relação aos aplicadores, embora se recomende a utilização de equipamentos de segurança, os riscos que oferecem são mínimos em comparação aos produtos de síntese química.

Embrapa Café: Em que consiste o bioproduto originário do fungo e como está o processo de registro comercial para aplicações em lavouras? Quem é o titular da patente e como será feita a negociação com eventuais parcerias?
Sara Chalfoun: Existem duas formulações: uma em pó e outra líquida. O registro temporário (RET) para a formulação em pó já foi obtido nos órgãos competentes. Os titulares da patente são Epamig, Ufla, Fapemig e os inventores: eu, o professor da Ufla Carlos José Pimenta e o doutorando (na época da formulação do produto) Marcelo Cláudio Pereira. A negociação, que encontra-se em aberto, será sob a forma de licenciamento.

Embrapa Café: Qual o perfil de empresa que poderá ter interesse comercial no licenciamento desse bioproduto?
Sara Chalfoun: Empresas tradicionalmente produtoras e vendedoras de defensivos químicos estão introduzindo linha de produtos biológicos para atender demanda de parcela crescente de consumidores preocupados com os riscos representados pelo uso contínuo de produtos químicos. Dessa forma, várias delas apresentam perfil para o licenciamento da tecnologia.

Embrapa Café: A partir desse estudo, houve desdobramentos para novas ações de pesquisa? Em caso afirmativo, poderia citá-las e explicá-las, incluindo resultados, se houver?  Quais os parceiros envolvidos?
Sara Chalfoun: A partir desse estudo, aproveitando a estrutura física já existente, propôs-se novas linhas de pesquisa e desenvolvimento de produtos de origem biológica com diferentes aplicações, tais como aceleração da desmucilagem do café, solubilização de fosfato, biorremediação, entre outros. Os parceiros envolvidos são INCT-Café, Polo de Excelência do Café - ambos sediados no Centro de Inovação do Café, na Ufla -, CNPq, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes e Fapemig.

Embrapa Café: Comente outros desafios, com relação à qualidade do café brasileiro, que são apresentados às instituições de pesquisa e extensão.
Sara Chalfoun: Os desafios consistem em oferecer alternativas econômicas e sustentáveis para que o Brasil se torne, além de um país produtor de grande quantidade de café, também de café de reconhecida qualidade, o que já vem ocorrendo graças aos avanços da pesquisa. Nesse aspecto, para se avançar ainda mais, é necessária a inclusão dos cafeicultores de economia familiar dentro do mercado de café de qualidade. Nesse ponto, há um grande trabalho a ser realizado pela pesquisa e extensão para adaptar as tecnologias à pequena escala de produção, realizar pesquisa de modelos de gerenciamento das propriedades rurais visando à excelência no funcionamento, organizar produtores em associações que forneçam orientações desde práticas agrícolas até a comercialização do produto final e fomentar estreita atuação da extensão nas atividades de informação e capacitação dos produtores visando à adoção das medidas e modelos preconizados pela pesquisa. Deve-se ressaltar que todo esse esforço da pesquisa e extensão deve ser acompanhado de política de contínua valorização do café de qualidade, nem sempre presente no inconstante movimento comercial dessa commodity.

Embrapa Café: Além desses estudos, que outro (s) destacaria no qual esteja envolvida no âmbito do Consórcio Pesquisa Café?
Sara Chalfoun: Estamos envolvidos em projeto que visa à inclusão dos produtores de economia familiar nos mercados de café de qualidade por meio da informação e da qualificação. É um desafio colocado para as instituições participantes especificamente do projeto em questão - como Epamig, Emater, UFA, IAC entre outras – e, de uma maneira geral, para a pesquisa e extensão no Brasil, considerando que a cafeicultura de economia familiar perfaz expressivo contingente da cafeicultura brasileira que apresenta grande potencial de crescimento. Esse projeto foi precedido por outros financiados pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA)/CNPq que permitiram a organização de produtores de economia familiar em torno de uma Unidade Comunitária de Processamento de Café. Esses produtores se organizaram em associação de cafeicultores no município de Santo Antonio do Amparo, Minas Gerais. Importantes conquistas já foram obtidas com esse modelo de pesquisa, que constou de pesquisa/ação por meio da qual os produtores adotaram programas de Boas Práticas Agrícolas e de Pós-Colheita. Eles conseguiram produzir, por dois anos consecutivos, lotes homogêneos de café de excelente qualidade e comercializá-los diretamente com excelentes ágios. Por ocasião do início da pesquisa, a maioria dos produtores comercializava seu café separadamente, por meio de intermediários locais. Torna-se necessário consolidar os resultados obtidos e replicar e adaptar o modelo para a cafeicultura de economia familiar distribuída no extenso parque cafeeiro nacional, a fim de que esse importante extrato da cafeicultura passe a contribuir para o abastecimento interno e externo com produto de excelente qualidade.

Embrapa Café: A respeito do Consórcio Pesquisa Café, de que forma acredita que tem contribuído para o trabalho da Epamig e parceiros e para a cafeicultura brasileira?
Sara Chalfoun: O Consórcio Pesquisa Café é um arranjo que beneficia a Epamig e demais consorciadas, uma vez que permite pensar a cafeicultura como um tema nacional, eliminando as fronteiras entre estados e instituições envolvidas, articulando as equipes de pesquisadores, professores, extensionistas e administradores da pesquisa. Passamos a atuar em torno do avanço científico e tecnológico da cafeicultura brasileira, e não separadamente como a cafeicultura de Minas Gerais, do Paraná, de São Paulo, do Espírito Santo e assim por diante. Além dos benefícios sobre a racionalização dos esforços e recursos aplicados, é um incontestável exemplo de organização e harmonização de um setor em torno de um interesse comum. A despeito das dificuldades inerentes à execução de um arranjo dessa natureza, sua virtuosidade em mais de uma década de atuação já o qualifica como um caso de sucesso na gestão e execução de pesquisa, transferência de tecnologia e inovação.

Entrevista originalmente publicada em 20/6/2014

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