Na década de 60 o Brasil sofreu um processo de modernização da agricultura onde muitas tecnologias foram introduzidas com a promessa de sanar a fome mundial. A chamada “Revolução Verde” teve como enfoque a introdução de pacotes tecnológicos com insumos (inseticidas, herbicidas, adubos etc.), espécies melhoradas geneticamente, máquinas e equipamentos cada vez maiores, mais potentes e mais modernos, capazes de exercer no campo o papel de muitos homens. Todas estas inserções no mundo agrícola transformaram a atividade em um grande sorvedor de energia. Pois antes deste aporte tecnológico, poder-se-ia considerar que boa parte da energia necessária aos processos era endogênica, hoje a situação se inverteu, e na maioria dos setores a agricultura é eminentemente dominada por processos que dependem de energia externa ao sistema.
Estes fatos tornaram o processo agrícola cada vez mais rápido, capaz de ocupar áreas maiores e com produções recordes. No entanto, nos dias atuais a fome mundial é algo que ainda preocupa. A revolução verde trouxe não só um aumento da produção mundial de alimentos, mas trouxe também uma concentração de renda, destruição do ambiente e monopólio de tecnologias. E isto fez com que um novo paradigma assomasse no horizonte dos campos: atualmente o mundo agrícola não se preocupa somente com a alimentação mundial, produção de bioenergia ou a economia dos commodities, mas com a sustentabilidade do planeta, em outras palavras com a sobrevivência da humanidade.
Seja por convicção ou por necessidade, a agricultura, necessita ter uma visão holística, olhar para outros parâmetros além do seu objetivo principal (produção agrícola). Hoje modernizar-se cada vez mais, não significa sustentabilidade, pois esta modernização infelizmente vem atrelada ao impacto ambiental, concentração de renda, esvaziamento populacional do campo e altos custos energéticos.
Recentemente a ONU (VEJA, 2013) divulgou que o desperdício de alimentos no mundo está gerando mais CO2 do que qualquer país, exceto EUA e China. Ou seja, o desequilíbrio de nossa civilização é tão grande e tão evidente, que 1,3 bilhões de toneladas de alimentos (que no fundo é energia armazenada e recursos disponibilizados) que deveriam estar alimentando pessoas, fica apodrecendo e contribuindo para o efeito estufa com um total de 3,3 milhões de toneladas de gases de efeito estufa (FAO, 2013), muito mais do que a contribuição individual de 189 países!!! Em termos de eficiência energética este talvez seja o mais claro sinal que há algo errado com nossa forma de viver. E isto nos será cobrado pela natureza! Pois se avaliarmos a quantidade de energia e recursos naturais (águas, ar, solos, nutrientes, combustíveis, etc.) que estes alimentos representam e que são convertidos em lixo, certamente chegará o tempo que não haverá mais como os repor.
Esta tragédia energética que se anuncia, tem como desfecho alegórico a extrema “burrice” do gafanhoto na estória infantil da formiga e do gafanhoto, pois o gafanhoto tem de sobra e não se preocupa com os tempos de escassez. É interessante que este conto, de certa forma uma síntese do pensamento econômico, não alerte as sociedades que as questões econômicas e políticas não deveriam ser as únicas a ter prioridade em relação à problemática da fome e do meio ambiente. A Conferência Rio + 20 em 2012 que o diga!! Particularmente um fiasco na questão ambiental, energética e até social, pois o único parâmetro em mesa, era no fundo, a crise econômica. Para todas as reivindicações, metas e compromissos elencados pelo protocolo de Kyoto e não cumpridos pelas nações, a unânime desculpa era: A crise econômica está forte e não podemos atrapalhar nossa economia.
Assim fica evidente que este “inevitável” impacto ambiental, social e energético causado pela procura cada vez maior de alta produção agrícola não está atingindo o seu principal objetivo “cessar a fome”. E muito menos alimentar a fome de energia da humanidade, pois a alta produção atual da agricultura é atrelada a uma excessiva concentração de riqueza nas mãos de poucos que não se preocupam com os tempos de escassez vindouros.
E para piorar a situação, aqueles que estão diretamente ligados à produção agrícola quase nunca pensam em questões sociais e ambientais, pois o único foco é o aumento da produção para obtenção de maior lucro. Existe a ilusão que o aumento de eficiência local, através de tecnologias e produtividades melhores, suplanta a gigantesca perda de eficiência global que representa o desperdício avassalador indicado pela ONU. Obviamente o setor agrícola é diretamente influenciado pelos valores do mundo capitalista, que em sua gana por lucro a qualquer preço - independente do desperdício de 1,3 trilhões de quilogramas de comida – só pensa em produzir mais e mais, se esquecendo de que também é necessário distribuir de forma justa a energia e os alimentos para todos.
É preciso encontrar o equilíbrio entre o lucro justo e o direito de todos em se alimentar e usufruírem das benesses de nossa realidade contemporânea: realidade tecnológica, informacional e eficiente. Pois caso contrário chegará à situação em que o gafanhoto perceberá que: “O inverno chegou e não há mais comida”, com um fator agravante para nós. Não haverá formiguinha boazinha para nos acolher em sua casinha quente e cheia de comida.
Referências
Mazoyer, M, 1933. História das agriculturas no mundo: do neolítico à crise contemporânea. [tradução de Cláudia F. Falluh Balduino Ferreira]. São Paulo: Editora UNESP; Brasília, DF: NEAD, 2010.
REVISTA VEJA. Um terço dos alimentos do mundo são desperdiçados. Disponível em:
http://is.gd/iPKICz, acesso em 11/10/2013.
FAO. Desperdício de alimentos tem consequências no clima, na água, na terra e na biodiversidade. Disponível em:
http://is.gd/0Zkqys, acesso em 11/10/2013
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