Carregando...
A planta de cana-de-açúcar tem açúcar nas paredes celulares, nas folhas e no bagaço. Este último acaba sobrando e é queimado para a geração de energia elétrica nas usinas. No entanto, esse cenário pode mudar. Pesquisas desenvolvidas na área de agroenergia buscam otimizar essa produção com o etanol de segunda geração (2G), produzido através do aproveitamento integral da cana-de-açúcar, o que poderia dobrar a eficiência da produção de combustível com uma mesma área plantada. Para saber mais sobre o assunto, o Portal Dia de Campo fez uma entrevista exclusiva com as pesquisadoras da Embrapa Agroenergia Leia Favaro e Sílvia Belém.
Portal Dia de Campo - Como funciona essa pesquisa, ou seja, o uso de microorganismos para a produção de etanol?
Leia - A produção de etanol, hoje, ocorre a partir do processo de fermentação com leveduras nas usinas de produção de açúcar e álcool. Esse etanol é produzido a partir da fermentação da sacarose da cana-de-açúcar (caldo). Esse caldo é fermentado e no processo de fermentação o açúcar é convertido em etanol. A diferença para o etanol de segunda geração (2G) seria o aproveitamento total do açúcar da planta e não só do caldo. Para que isso seja possível, outros microorganismos são importantes, por exemplo, para a produção das enzimas hidrolíticas, moléculas capazes de quebrar os açúcares presentes na cana-de-açúcar, transformando-os em moléculas mais simples, ou seja, transformando a celulose em glicose para ser utilizada pelas leveduras, da mesma maneira que é feito nas usinas.
Portal Dia de Campo - Dentro desses estudos dos microorganismos para a produção de biocombustível, eu gostaria que a senhora falasse sobre as realizações da Embrapa até agora.
Leia - A produção de etanol 2G depende de microorganismos muito eficientes que consigam converter todo o açúcar (xilose, glicose) em etanol. Para isso, muitas pesquisas estão sendo feitas, como o desenvolvimento de leveduras mais eficientes através do melhoramento genético e a busca por microorganismos que possuam enzimas bastante eficientes, pois a celulose que compõe a maioria das plantas é muito difícil de ser quebrada.
Produção do etanol 2G depende de microorganismos que possam converter todo o açúcar
Portal Dia de Campo - Onde a Embrapa está buscando esses microorganismos?
Leia - A Embrapa Agroenergia tem projetos em andamento que buscam novas espécies de microorganismos, novos genes, em diversos biomas brasileiros, como a Caatinga, Amazônia e Cerrado. Além disso, são buscados microorganismos que a própria empresa mantém no seu banco de germoplasma. Então, os projetos envolvem desde a prospecção no ambiente até o melhoramento genético dos microorganismos.
Portal Dia de Campo - Como funcionaria essa produção na prática?
Leia - Hoje, as leveduras comerciais usadas para produzir o etanol de primeira geração (1G), normalmente produzido nas usinas, são altamente robustas e adaptadas a esse processo. No entanto, elas não são capazes de usar outros açúcares que estão presentes na cana-de-açúcar além da sacarose. Se a levedura conseguir utilizar esses açúcares, a eficiência da produção de etanol pode aumentar bastante, uma vez que ela usará não somente a glicose, mas também a xilose. O grande objetivo é esse: desenvolver linhagens que possam ser usadas no processo industrial, logicamnete, passando por todos os quesitos de biosegurança e aprovação da CTNBio (A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança).
Algumas enzimas comprovadamente eficentes foram obtidas de diferentes biomas
Portal Dia de Campo - Quais os avanços obtidos até agora?
Leia - Os projetos, em sua maioria, iniciaram esse ano. Conseguimos aprovar 2 projetos com duração prevista entre 3 e 4 anos, mas já temos, na parte de novos genes codificadores de enzimas, algumas enzimas já prospectadas com bastante eficiência e obtidas de diferentes biomas.
Portal Dia de Campo - Como funcionaria todo o processo produtivo do etanol 2G?
Leia - Na verdade, o processo envolve basicamente 3 etapas: o tratamento químico que possa liberar a maior parte dos açúcares presentes na biomassa, o tratamento enzimático que envolve as enzimas capazes de transformar a celulose em moléculas mais simples de glicose e a fermentação pela levedura. Portanto, o etanol 2G envolve várias etapas de um possível processo industrial.
Portal Dia de Campo - Financeiramente falando, ele seria mais produtivo ou lucrativo?
Leia - Basicamente, seria possível ter uma mesma área plantada de cana-de-açúcar e, a partir dessa mesma área plantada, conseguir um maior volume de etanol. Ainda não existe um processo disponível economicamente viável, mas os estudos estão caminhando para que isso aconteça. O que é certo é a vantagem de poder aproveitar o que sobra do excedente de biomassa e que não é usado para gerar energia para a conversão em etanol.
Processo de produção do etanol 2G envolve 3 etapas
Portal Dia de Campo - Em quanto o etanol de segunda geração pode ser mais produtivo que o primeiro?
Sílvia - O etanol de 2ª geração (2G) em si não é mais produtivo do que o de 1ª geração (1G). O que acontece é que, uma vez viabilizada, a tecnologia de etanol 2G nos permitirá produzir quase o dobro de combustível com uma mesma área plantada de cana-de-açúcar. Isso porque será possível utilizar na fabricação não apenas o caldo, mas também o bagaço e a palhada da planta.
Portal Dia de Campo - Qual o impacto econômico que ele causará na indústria de produção de energia quando for produzido?
Sílvia - Neste momento, não temos essa resposta porque o etanol 2G ainda não é viável economicamente. As pesquisas estão avançando, mas ainda não sabemos a que custo conseguiremos chegar. Levando em consideração apenas o processo de produção, podemos afirmar que a fabricação do etanol 2G será sempre mais cara do que do 1G, porque exige uma etapa a mais. Num cenário otimizado, o custo do processo de produção do etanol 2G poderá se equiparar ao do etanol de milho. Contudo, é importante salientar que o preço final do produto depende também de outros fatores, como matéria-prima e transporte. No caso de utilizarmos o bagaço da cana, o custo final pode ser reduzido, uma vez que se trata de um coproduto que já está na usina.
|