A principal cultura dos agricultores familiares do Estado do Pará é a mandioca. De acordo com o Censo Agropecuário Brasileiro de 2006, existem 67.456 estabelecimentos agropecuários que produzem mandioca no Pará (IBGE, 2006), sendo que o Estado vem se destacando no cenário brasileiro como o maior produtor de mandioca do Brasil há 19 anos (IBGE 1992 a 2010).
No Pará, o principal produto extraído da mandioca é a farinha de mesa, porém, durante o processo de fabricação da farinha, as raízes de mandioca brava de polpa amarela são trituradas e prensadas para a remoção de um líquido denominado manipueira gerado na razão de 300 litros por cada 1000 quilos de raízes processadas (Ferreira et al. 2001). Este líquido é altamente poluente devido à presença do radical cianeto que, ao se decompor, gera o ácido cianídrico, uma substância extremamente tóxica que pode causar a morte de peixes, quando lançada nos rios e igarapés, e de animais domésticos, quando ingerido pelos mesmos, representando um grande risco de contaminação ao meio ambiente.
Da manipueira é possível extrair um produto da culinária de elevado valor comercial: o tucupi. Para tanto, deve-se deixar a manipueira em repouso por um determinado tempo para que ocorra a decantação do amido que é posteriormente removido, ocorrendo naturalmente a sua fermentação. Após essas etapas, adicionam-se condimentos (alho, alfavaca, sal, chicória e outros) seguidos de uma fervura durante uma hora (que elimina o ácido cianídrico), obtendo-se assim um líquido de cor amarelo intenso denominado tucupi, pronto para ser usado como molho em diferentes pratos da clinária regional.
Trata-se de uma iguaria com sabor inigualavel e altamente delicioso que compõe o mais famoso prato dos paraenses, o pato no tucupi, que é presença certa no almoço do segundo domingo de outubro, durante o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, em Belém do Pará. Também é amplamente utilizado no preparo de vários pratos ao molho como leitão, peixe, camarão, alguns tipos de caça. Usado no preparo do tradicional tacacá (Figura 1) e no molho com pimenta-de-cheiro ou malagueta.
Figura 1: Tradicional tacacá com tucupi, camarão, folha de jambu e goma servido em uma cuia.
Figura 2: Tucupi envasado em garrafa PET exposto para comercialização na Feira da 25 de Setembro, em Belém, PA.
Em 2011, por ocasião do Círio de Nazaré, a demanda pelo produto chega a dobrar os preços do litro do tucupi que variaram entre R$ 3,00 e R$5,00. Entre as feiras livres, o Ver-o-Peso foi onde se comercializou o tucupi com preço mais baixo. Nos supermercados, esse produto foi comercializado com valores que oscilavam entre R$ 3,22 e R$ 4,27 (PRODUTOS...2011). Atualmente, efetuou-se pesquisa de preço em quatro grandes supermercados de Belém indicando que o preço do litro do tucupi varia entre R$ 2,75 e R$ 6,40, com preço médio de R$ 4,20. Na feira do Ver-O-Peso, ainda é possível encontrar o tucupi por preços oscilando entre R$ 1,25 e R$ 3,00 e na feira da 25 de Setembro (Figura 2), com valores entre R$ 1,50 e R$ 5,00 (Dados da Pesquisa. Março 2012). A grande diferença entre os preços fixados nas feiras livres e nos supermercados é que os produtos comercializados nas feiras livres são produzidos por meio de processos artesanais, com pouca infra-estrutura e falta de boas práticas de fabricação, resultando em produtos mais baratos. Outro aspecto refere-se à falta de padronização nas características físico-químicas do tucupi que, segundo Cristé et al, (2007) está relacionado ao processo de fabricação manual (uso do tipiti) ou mecanizado, tipo da cultivar, idade da planta, tipo de solo e outros, que podem originar plantas com diferentes concentrações de ácido cianídrico, fazendo-se necessária a realização de estudos para a elaboração de uma proposta visando à sua padronização para proporcionar um produto de melhor qualidade ao consumidor. Este trabalho foi realizado por meio de estudo de casos de uma pequena agroindústria de fabricação artesanal de tucupi e goma (amido com 45 % de umidade) como produtos derivados da mandioca, em um pequeno negócio artesanal de agricultor familiar da comunidade de Acapu, localizada no Município de Vigia de Nazaré, na Região Nordeste do Pará.
Com relação ao preço da goma (amido), ele variou de R$ 2,67 a R$ 4,56 nos supermercados e de R$ 2,00 a R$4,00 nas feiras livre de Belém.
As informações foram obtidas por meio de entrevista pessoal com o proprietário do empreendimento. Foram obtidas informações sobre as características do empreendimento, atividade econômica do proprietário, custos de produção de extração do tucupi (principal produto) e da goma, forma de comercialização da produção e tipo de mão-de-obra utilizada, cujos dados foram tratados com recursos de planilha Excel.
De forma complementar, buscou-se documentos e informações secundárias de organizações públicas e privadas, para subsidiar a construção de uma análise crítica sobre o empreendimento pesquisado. Os resultados dos custos de produção de tucupi e goma foram submetidos a uma análise financeira para determinação da margem bruta, relação benefício/custo, ponto de nivelamento e margem de segurança.
Identificou-se que a capacidade de produção de tucupi e de goma é de 1.440 litros e 680 quilos por mês, respectivamente. A estrutura de processamento do tucupi é bem artesanal com instalações rústicas e baixo nível de organização das etapas de produção, as quais são compostas de: recepção da matéria prima (raízes), descascamento, lavagem e hidratação por 12 horas, moagem com motor elétrico de 1,5 CV, maceramento com água, prensagem no tipiti, decantação por quatro horas para separação do tucupi e da goma, fermentação, adição de condimentos, fervura durante 40 minutos, envase e comercialização. O produto final não segue as orientações sobre boas práticas de fabricação para atendimento ao padrão de consumo, porém trata-se de um pequeno negócio familiar que contribui para abastecer o mercado da cidade de Vigia de Nazaré.
Este negócio familiar é conduzido e gerenciado por duas pessoas: o chefe da família e um filho adulto, que se dedicam de segunda a sábado. Estimamos a remuneração deste trabalho na ordem de R$ 622,00 (um salário mínimo) para cada membro, sem despesas com encargos, pois os mesmos não recolhem INSS nem impostos sobre a produção e venda dos produtos.
Os agricultores possuem investimentos com infra-estrutura (galpão rústico no tamanho de 4m x 12m construído com madeira retirada da mata, coberto com telhas brasilite, sem divisórias). Com relação a equipamentos, possuem bacias de alumínio, baldes de plásticos, tábuas para maceração da raiz e motor elétrico para trituração de raízes, estimados em R$ 3.360,00. Porém, para iniciar um negócio com galão, equipamentos e utensílios semelhantes a este, estima-se que sejam necessários cerca de R$ 10.500,00. Os custos operacionais médios mensais da extração artesanal de tucupi e goma como derivados de mandioca, descritos na Tabela 1, apresentam um lucro líquido de R$ 1.195,13 correspondendo a uma lucratividade de 2,64%. A margem de contribuição foi de R$ 1.661,60 que representa quanto o negócio familiar tem para pagar as despesas fixas e gerar o lucro líquido. O ponto de equilíbrio equivale à venda de 797,47 litros de tucupi ao preço unitário de R$ 4,00 para cobrir as despesas fixas e variáveis, ou pela venda de 1.594 kg de goma ao preço unitário de R$ 2,00. Com uma taxa de 11,44% ao ano, o retorno do investimento, nessas condições financeiras se dá em 8,74 meses.
Uma das grandes limitações dos atuais produtores de derivados de mandioca se refere ao insumo lenha, que chega a participar entre 10 a 15% do custo de produção (HOMMA, 2011). Este autor destaca que há necessidade de políticas para auxiliar os produtores deste segmento, citando dentre muitos exemplos, a implantação de casas de farinha de mandioca comunitária e mecanização parcial do processo de fabricação de farinha. No empreendimento estudado os agricultores consomem em torno de 6 m³ de lenha por mês, correspondendo a 5,64% dos custos de produção de 1.440 litros de tucupi e 680 kg goma por mês.
Finalmente, este segmento é constituído por agricultores familiares que ofertam produtos de baixa sofisticação tecnológica ligados à cultura local. A transformação desses produtos ocorre de forma artesanal e informal em pequenas instalações. Em sua grande maioria trata-se de produtos com processamento simples, com baixo conteúdo tecnológico, mas apresentam um potencial de agregação de valor significativo. O tucupi e a goma são produtos fabricados geralmente na agroindústria familiar rural e urbana destinados a consumidores de variados níveis sociais em mercados locais ou regionais.
Praticamente os empreendedores não adotam aporte tecnológico gerado pelas instituições de pesquisa, geralmente a própria família do produtor desenvolve os processos de fabricação baseado na herança cultural repassada de pai para filho, conforme verificado no empreendimento estudado. Os produtos deste segmento de base artesanal, como o tucupi e a goma, em geral, são pouco competitivos devido à baixa escala de produção e a pouca atenção dispensada à apresentação dos produtos ao consumidor no que se referem às embalagens, rótulos e símbolos, pois não foram encontrados produtos originários de agricultores familiares com embalagens e rótulos nas feiras do Ver-O-Peso e da 25 de Setembro, em Belém, no mês de março de 2012.
Outro fator de grande dificuldade para os agricultores refere-se à comercialização desses produtos em diferentes nichos de mercados, que geralmente não são aceitos por não estarem devidamente registrados e fiscalizados juntos ao órgão regulamentadores. Por isso, à medida que o governo reforce seu contingente de pessoal e aumente a freqüência de fiscalização é possível que muitos empreendimentos familiares sejam extintos caso não sejam formuladas políticas públicas que possam apoiar os empreendedores rurais na adoção de tecnologias e crédito para fabricação de produtos, com destaque:
• financiamentos com taxas compatíveis para adequação e/ou abertura de pequenos empreendimentos agroindustriais para unidades familiares;
• criação e disponibilização anualmente de fundos para viabilização de projetos de transferência de tecnologia voltados para o repasse da pesquisa aplicada e capacitação tecnológica visando melhorar a qualidade e o marketing dos produtos derivados da mandioca;
• ampliação da assistência técnica para gestão da produção e assessoria econômica para controle de custos nos pequenos empreendimentos;
• viabilização de estudos de cadeias produtivas e de mercados e canais de comercialização para servirem de informações para tomada de decisões no momento da comercialização dos produtos da agricultura familiar;
• viabilizar visitas de agricultores familiares às exposições relacionadas ao agronegócio.
Referências Citadas
CHISTÉ, R. C.; COHEN, K. O.; Suzy Sarzi OLIVEIRA, S. S. Estudo das propriedades físico-químicas do tucupi. Ciênc. Tecnol. Aliment., Campinas, 27(3): 437-440, jul.-set. 2007.
FERREIRA, W de A.; BOTELHO, S. M. CARDOSO, E. M. R. Manipueira: um adubo orgânico em potencial. Belém: Embrapa Amazônia Oriental, 2001, 21p. (Embrapa Amazônia Oriental. Documentos, 107).
IBGE. Censo Agropecuário 2006. Número de Empresas e Outras Organizações. Produção de Lavouras Temporárias. Disponível em: http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/protabl.asp?c=987&z=p&o=1&i=P. Acesso em 02 de jan/2012.
IBGE. Produção Agrícola Municipal: culturas temporárias e permanentes. Rio de Janeiro: IBGE, 1992 – 2010. Disponível em http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/listabl.asp?c=1612&z=p&o=28. Acesso em 03 de jan/2012.
HOMMA, A.K.O. O desenvolvimento da agroindústria no Estado do Pará. Saber Ciências Exatas e Tecnologia, Belém, v.3, p.49-76, jan/dez, 2001. Edição especial.
PRODUTOS PARA O ALMOÇO DO CÍRIO CONTINUAM CAROS, AFIRMA DIEESE. Círio de Nossa Senhora de Nazaré. Belém, PA, Outubro, 2011. Disponível em: http://cirio.orm.com.br/noticia_int.asp?id=554777. Acesso em: 26 de jan/2012.
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