Ultimamente tem-se noticiado que a China deverá ser considerada pelo Brasil como economia de mercado para efeitos de comércio exterior, tendo em vista normativa da Organização Mundial de Comércio. Para entender esse tema, faz-se necessário transcorrer sobre a relação da República Popular da China com a OMC.
Com efeito, o Protocolo de Acessão da República Popular da China à Organização Mundial de Comércio (integrado ao direito brasileiro pelo Decreto 5.544/2005), foi aprovado para ocorrer, não de forma imediata e integral, mais sim de forma gradual e mediante condições. A mesma norma que incluíra a China à OMC traz regras transitórias, que possibilita a adoção de medidas excepcionais (como, por exemplo, o antidumping com regramento distinto), as quais foram aceitas pela própria China.
No referido protocolo ficou reservada aos demais membros da OMC a faculdade de utilizar, nos casos de investigação de prática de dumping que envolva produtos chineses, a metodologia apropriada a países de economia de mercado ou a aplicável a países que não o são. Estabeleceu, ainda, em seu inciso d, que essa faculdade terá duração de 15 anos contados da data da acessão da China à Organização, ou seja, até 2016, conforme redação do Art. 15, do Protocolo de Acessão da República Popular da China à Organização Mundial de Comércio.
A grande questão é a seguinte: como economia de mercado, o procedimento para imposição de medidas protetivas do mercado interno deve se pautar pelo preço praticado, não por um terceiro país, mas sim de acordo com o próprio mercado Chinês.
Isto fatalmente vai dificultar, senão impedir, a prática de direito antidumping, uma vez que o Brasil não tem condições de colher e manusear informações úteis à verificação do dumping. Como bem informou a secretária de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), Tatiana Prazeres, entrevistada sobre o tema pela Agência Câmara de notícias: “a tarefa não será fácil, porque no interior da China, a contabilidade não segue padrões ocidentais”.
Percebe-se, pois, que é extremamente nocivo o efeito que a transmutação da China para economia de mercado acarretará.
Assim, pergunta-se: o que fazer? Na visão da ANAPA, que há muito vem sofrendo com as mazelas da concorrência desleal do alho chinês, o Brasil deve encabeçar uma modificação no texto normativo que inseriu a China à OMC.
Em outras palavras, nada, absolutamente nada, impede que a China, em determinados segmentos e produtos, possa continuar a ser tratada como país de economia emergente, sem estar afeta às regras de economia de mercado. Mesmo com as restrições, a China alavancou suas exportações para os quatro cantos do mundo; logo, não há motivos para que sejam extintas as restrições já no ano de 2016.
Caso isso ocorra, o efeito vai ser devastador em vários ramos da economia. Em última análise, deve ser feita uma prorrogação desta data, para que o Brasil e o mundo absorvam melhor a ideia de encarar a China como economia de mercado.
Por fim, a ANAPA considera que a Constituição Federal de 1988 impede que a regra contida no âmbito da OMC possa afetar a soberania econômica, bem como o mercado interno, o qual é patrimônio nacional.
Confira a redação do Art. 15, do Protocolo de Acessão da República Popular da China à Organização Mundial de Comércio:
Nos procedimentos relacionados a importações de origem chinesa por um Membro da OMC, aplicar-se-ão o artigo VI do GATT 1994, o Acordo relativo à Aplicação do Artigo VI do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio de 1994 ("Acordo Antidumping") e o Acordo SMC, em conformidade com o seguinte:
a) Na determinação da comparabilidade de preços, sob o artigo VI do GATT 1994 e o Acordo Antidumping, o Membro importador da OMC utilizará, seja os preços e os custos chineses correspondentes ao segmento produtivo objeto da investigação, ou uma metodologia que não se baseie em uma comparação estrita com os preços ou os custos domésticos chineses, com base nas seguintes normas: i) se os produtores investigados puderem demonstrar claramente que, no segmento produtivo que produz o produto similar, prevalecem condições de economia de mercado no que diz respeito à manufatura, produção e à venda de tal produto, o Membro da OMC utilizará os preços ou custos prevalecentes na China do segmento produtivo objeto da investigação, para determinar a comparabilidade dos preços; ii) o Membro da OMC importador poderá utilizar uma metodologia que não se baseie em uma comparação estrita com os preços internos ou custos prevalecentes na China se os produtores investigados não puderem demonstrar claramente que prevalecem no segmento produtivo que produz o produto similar condições de economia de mercado no que diz respeito à manufatura, a produção e à venda de tal produto.
b) Nos procedimentos regidos pelas disposições das partes II, III e V do Acordo SMC, quando se tratarem de subsídios descritos nos itens a), b), c) e d) do artigo 14 do referido Acordo, aplicar-se-ão as disposições pertinentes do mesmo; não obstante, se houver dificuldades especiais, o Membro da OMC importador poderá utilizar, para identificar e medir o benefício conferido pelo subsídio, metodologias que levem em conta a possibilidade de que os termos e condições prevalecentes na China nem sempre podem ser utilizados como bases de comparação adequadas. Para aplicar tais metodologias, sempre que factível, o Membro da OMC importador deverá proceder a ajustes desses termos e condições prevalecentes antes de considerar a utilização de termos e condições prevalecentes fora da China.
c) O Membro importador da OMC notificará as metodologias utilizadas em conformidade com o item a) ao Comitê de Práticas Antidumping e as utilizadas em conformidade com o item b) ao Comitê de Subsídios e Medidas Compensatórias.
d) Uma vez tendo a China estabelecido, em conformidade com a legislação nacional do Membro importador da OMC, que é uma economia de mercado, ficarão sem efeito as disposições do item a), desde que a legislação nacional do Membro importador preveja critérios para aferir a condição de economia de mercado, na data de acessão. Em quaisquer casos, as disposições do item a)ii) expirarão após transcorridos 15 anos da data de acessão. Ademais, nos casos em que a China estabelecer, em conformidade com a legislação nacional do Membro importador da OMC, que em um segmento produtivo particular ou indústria prevalecem condições de economia de mercado, deixar-se-ão de aplicar a esse segmento produtivo particular ou indústria as disposições do item a) referentes às economias que não são economias de mercado"
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