O aumento do preço do etanol vem provocando uma reação irritada no Governo Federal, que passou o controle dos estoques para a ANP (Agência Nacional do Petróleo) e já fala em taxar as exportações de açúcar como forma de “castigar” os usineiros que produziram menos etanol para aproveitar os bons preços internacionais daquele produto.
De acordo com dados do CEPEA, com preços deflacionados pelo IGP-DI (fev.2011), o preço médio do etanol hidratado na primeira quinzena de abril deste ano ficou próximo de R$ 1,42/litro. A média nos últimos 10 anos ficou em 10,5, portanto, o preço atual está quase 40% acima da média. No entanto, é bom lembrar que em maio de 2010, estava a R$ 0,70/litro, muito abaixo da média. E em março de 2006, chegou a R$ 1,67/litro. Em outras palavras, a variação dos preços é característica deste produto.
Há razões para os altos preços atuais, começando com o tamanho das últimas duas safras de cana. Em 2009 choveu demais durante a época da colheita, e cerca de 50 milhões de toneladas deixaram de ser cortados. Ademais, com a chuvarada, o rendimento industrial foi mais baixo, e se produziram menos litros de etanol por tonelada de cana, fora o aumento do custo da produção. E 2010 foi um ano muito seco, calculando-se que mais de 60 milhões de toneladas foram produzidas a menos do que se esperava: uma brutal quebra de produção.
Ora, são 2 anos com cerca de 110 milhões de toneladas de cana perdidas. É claro que a safra do etanol também caíu.
Por outro lado, os preços internacionais do açúcar também estavam muito altos em função da grande quebra da produção na Índia.
As usinas vinham de anos difíceis, muitas delas extremamente alavancadas e, devido aos baixos preços do açúcar e do etanol, com elevado endividamento. Com os preços do açúcar subindo, aqueles que puderam, direcionaram maior parte da cana para este produto. Isso não é muito fácil, porque as usinas contemporâneas não podem produzir muito mais deste ou daquele produto: a estrutura de produção pode flexibilizar no máximo 10% a mais para um ou outro. Antigamente, a flexibilidade era bem maior.
Sendo assim, a maior produção de açúcar não prejudicou tanto a oferta de etanol quanto a redução da cana colhida. Ou quanto ao espantoso aumento da demanda de etanol, em função da maior quantidade de carros flex.
O consumo de etanol hidratado em janeiro deste ano, mesmo com a queda da demanda por causa do preço alto, foi o dobro de janeiro de 2006, para dar um exemplo.
E é preciso lembrar que desde 2003, quando começou a venda de carro flex, 12,5 milhões de unidades entraram em funcionamento.
Em suma, estas são razões suficientes para a elevação de preço do etanol. Há outras, claro, como o fato das usinas endividadas venderem barato para fazer caixa, do que se aproveitaram as que estavam em melhor situação, levando a este cenário de concentração que vimos observando.
Mas não há razão para o governo intervir no setor.
Venho propondo há anos a criação de uma Secretaria Nacional de Agroenergia, para coordenar todas as funções nesta importante e estratégica cadeia produtiva, definindo as metas de produção e seu sistema, estabelecendo responsabilidades quanto à estocagem e à logística, quanto ao gerenciamento e aos contratos de longo prazo, quanto à tecnologia e à formação de recursos humanos; enfim, uma estratégia. Temos o Ministério da Pesca, o da Igualdade Racial, o da Igualdade de Gênero, todos muito importantes. O da agroenergia, para cuidar de biocombustível, bioeletricidade e agora da alcoolquímica, é no mínimo tão importante quanto eles.
Afinal, a que a ANP entende de cana de açúcar? E, por outro lado, já sabemos o que acontece quando há intervenção do tipo taxação nas exportações...
Precisamos eliminar as improvisações.
Se é verdade que os produtores precisam ser mais responsáveis, também o governo precisa ser claro em sua estratégia no longo prazo.
* Coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior de Agronegócio da FIESP e professor de Economia Rural da UNESP/Jaboticabal
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