Ao analisar a história do projeto Microbacias em Santa Catarina, podemos perceber uma nítida evolução da política pública agrícola ao longo dos anos, que, de forma coerente, acompanhou o momento em que a agricultura familiar catarinense atravessava.
No primeiro ciclo do Microbacias, entre 1991 a 1999, o objetivo era reduzir o impacto ambiental ocasionado pelo modelo de desenvolvimento agrícola adotado no país na década de 1960, que tinha a concepção de que o crescimento econômico deveria ser prioridade “número um” no desenvolvimento rural. Entretanto, os profissionais envolvidos nesta primeira etapa do projeto se depararam com uma problemática muito séria que não tinha sido prevista em seus objetivos iniciais. Evidenciou-se uma grande desigualdade na distribuição social no meio rural, fruto, também da poderosa corrente “modernizadora” que implantou a monocultura, o uso intensivo de insumos químicos, a mecanização dos processos agrícolas e a produção em larga escala. A “Revolução Verde”, conforme ficou conhecido este período, provocou uma drástica redução de emprego e um conseqüente êxodo rural, causando um inchaço nos centros urbanos e originando periferias miseráveis com milhões de graves problemas locais relacionados à habitação, saúde, educação, poluição, abastecimento e saneamento básico, entre outros.
Por conta desta constatação, o segundo ciclo do Microbacias passou a ter um novo direcionamento: reduzir a pobreza rural catarinense com ações integradas para o desenvolvimento econômico, ambiental e social do território. O foco principal passou a ser a inclusão e a organização dos agricultores familiares mais marginalizados e empobrecidos do meio rural em grupos, associações e cooperativas, no intuito de criar condições para que eles não migrassem para o meio urbano. Entre o período de 2002 a 2009, o Microbacias 2 adotou um modelo de desenvolvimento sustentável que buscou considerar as demandas dos diversos segmentos sociais presentes no território. Assim, o projeto incentivou a efetiva participação de toda a população rural no planejamento das ações locais, embora os beneficiários prioritários fossem apenas os pequenos agricultores familiares, com renda de até dois salários mínimos, os trabalhadores rurais volantes e as comunidades indígenas.
Nesta etapa, o projeto Microbacias foi concebido como uma política pública de cunho mais individualista e assistencialista. O apoio financeiro a projetos somente era dado, de forma individual, aos agricultores familiares mais empobrecidos. Os agricultores familiares consolidados (mais organizados e estruturados) participavam do planejamento, gestão e execução das ações do projeto, porém não recebiam ajuda financeira.
Hoje, após o término do segundo ciclo do projeto, o desafio é outro. Com o fortalecimento e inclusão dos segmentos mais fragilizados do meio rural em Empreendimentos Grupais (Associações de Desenvolvimento de Microbacias, Cooperativas Rurais, etc.), o próximo passo é possibilitar que estes grupos, formados por pelo menos 90% de agricultores familiares, se tornem mais competitivos e preparados para o mercado. Por isso, a proposta no terceiro ciclo da política é qualificar e consolidar as Organizações criadas no ciclo anterior para que se organizem em Empreendimentos Rurais e busquem o seu espaço em um mercado que está cada vez mais competitivo.
Evidencia-se, então, uma nítida mudança na concepção do projeto Microbacias, que passou de um caráter mais socialista, focado no auxílio a indivíduos marginalizados, para um caráter mais gerencialista, focado na consolidação de empreendedores rurais.
Considero que as políticas assistencialistas são extremamente necessárias para retirar os grupos excluídos da “margem” da sociedade. Porém, somente o assistencialismo “puro” não é capaz de resolver os problemas de desigualdade tão presentes em nosso país. Estas políticas devem ser planejadas como um projeto que tem início, meio e fim. Por isso, devem ser acompanhadas de outras políticas que possibilitem ao cidadão sair deste estado de dependência.
Esta nova etapa do projeto Microbacias tem exatamente esse propósito: capacitar e desenvolver os agricultores familiares em grupos competitivos para que, assim, eles consigam “andar com as próprias pernas”, não necessitando mais de auxilio governamental. “Não basta dar o peixe, é necessário que se ensine a pescar”. Contudo, é importante estabelecer outros programas, sejam em nível federal, estadual ou municipal, que continuem dando auxilio àqueles que ainda não conseguiram se encarrilhar nos “trilhos” do desenvolvimento oportunizado por programas ou projetos governamentais, como o Microbacias em Santa Catarina.
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