A utilização de plantas medicinais remonta ao início da humanidade. Muito antes do surgimento das primeiras cidades os seres humanos já buscavam nos recursos vegetais o alívio para as algesias mais comuns. Se por um lado não podemos garantir que o uso desses recursos vegetais foi decisivo para a sobrevivência de nossa espécie, por outro, podemos afirmar que, no mínimo, contribuíram para tornar essa jornada menos árdua. O ginseng (Panax ginseng), por exemplo, hoje reconhecido por suas qualidades tônicas e restaurativas, já era usado na China há 5 mil anos. A babosa (Aloe vera), no século IV antes de Cristo, era transportada por tropas militares para auxiliar a cicatrização dos ferimentos de batalhas, numa utilização prática semelhante ao recomendado atualmente. E, como estes, se pode citar uma série de outros exemplos nos quais se percebe uma estreita relação entre as plantas curativas e nossa civilização.
São indiscutíveis os avanços que a farmacologia moderna trouxe à sociedade, tanto em termos de segurança no consumo de medicamentos quanto na praticidade de uso e confiabilidade dos resultados. Da mesma forma, sabe-se que uma parcela significativa desse sucesso deve-se às plantas medicinais. Uma estimativa recente aponta que 25% dos remédios atuais foram desenvolvidos, direta ou indiretamente, a partir de recursos vegetais, que, em sua maioria, foram descobertos, experimentados, validados, protegidos e conservados por comunidades tradicionais à margem do processo de industrialização e modernização dos medicamentos.
Ainda hoje, uma grande parte da sociedade não tem acesso aos medicamentos modernos, seja pelo custo proibitivo, pela falta de prescritores em saúde ou ainda pela dificuldade logística de deslocamento, como é o caso de comunidades mais isoladas. Em outros casos, a própria comunidade opta por terapias alternativas com o uso de plantas medicinais em função de uma tradicionalidade ancestral e uma relação de confiança com os recursos vegetais de seu entorno.
O reconhecimento oficial dessas práticas terapêuticas ancestrais e do conhecimento tradicional associado às plantas medicinais por parte do meio científico na esfera mundial ocorreu apenas no final dos anos 70, com a Conferência Internacional sobre Atenção Primária em Saúde em Alma-Ata, na República do Cazaquistão, promovida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e com os eventos que se sucederam nos anos seguintes.
O Brasil, mesmo possuindo a maior biodiversidade e um dos mais fabulosos legados étnicos e culturais do planeta, somente assumiu as recomendações da OMS sobre medicina tradicional, complementar e alternativa em 2006, mais de 30 após a conferência de Alma-Ata. Os documentos no qual o poder público reconhece a significância das plantas medicinais e do saber popular são a Portaria GM/MS Nº 971, de 22 de junho de 2006, que aprovou a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde (SUS), o Decreto Nº 5.813, de 22 de junho de 2006, que aprovou a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos no país e a Portaria Interministerial Nº 2.960, de 9 de dezembro de 2008, que aprovou o Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. A importância desses documentos é ímpar e suas páginas são destinadas aos objetivos, metas, diretrizes, definições, prazos, responsabilidades, entre outros aspectos da implantação e gestão dessas políticas públicas.
Contudo, o documento que materializa as primeiras proposições práticas referentes ao uso das plantas medicinais é a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) Nº 10, de 9 de março de 2010, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A RDC Nº10 se propõe a “contribuir para a construção do marco regulatório para produção, distribuição e uso de plantas medicinais, (...) a partir da experiência da sociedade civil nas suas diferentes formas de organização (...)”.
Nesse contexto, o anexo 1 da RDC Nº 10 apresenta 66 espécies de plantas medicinais, entre nativas e exóticas, contemplando todos os biomas brasileiros, bem com as informações necessárias para seu uso: nome científico e popular, parte utilizada, forma de utilização, posologia, via de administração, indicação de uso, contra-indicações e efeitos adversos. Além disso, para cada espécie é indicada uma lista de referências bibliográficas nas quais se baseiam tais orientações de preparo e uso da droga vegetal, apoiando e legitimando o saber popular que originou e preservou esse conhecimento ao longo das gerações.
A RDC Nº 10, juntamente com as políticas nacionais, veio resgatar a dignidade de uma grande parte da sociedade brasileira que durante muito tempo viveu sob a pecha da ignorância, mas que hoje pode se orgulhar de estar contribuindo para a saúde de toda uma nação.
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