A ciclagem de nutrientes, a promoção do crescimento de plantas, a biorremediação de ambientes poluídos e o controle biológico de pragas e doenças vegetais são algumas das funções que residem em meio à diversidade genética e metabólica dos microrganismos do solo. Além disso, uma fantástica quantidade de genes com potencial biotecnológico, que podem gerar desde fármacos a enzimas para produção de bioenenergia, está disponível no solo para ser explorada. Um exemplo curioso e singular do arsenal de possibilidades que as bactérias do solo possuem foi apresentado esse ano no Encontro da Sociedade Americana de Microbiologia. Pesquisadores descobriram que uma dessas bactérias, a Mycobacterium vaccae, tem o potencial de estimular a formação de neurônios e melhorar a capacidade de aprendizado. Para chegar a essas conclusões, a capacidade de camundongos alimentados com a bactéria em percorrer um labirinto foi comparada com a de outros camundongos que não receberam a M. vaccae em sua dieta. O resultado mostrou que os camundongos que receberam o tratamento com a bactéria concluíram o percurso mais rápido e demonstraram menos sintomas de ansiedade. A pesquisa indica que o contato com esse microrganismo pode desempenhar um papel relevante na redução da ansiedade e melhoria da capacidade de aprendizagem dos mamíferos e sugere maior exposição a ambientes naturais.
Apesar de sua importância e gigantesco potencial, a diversidade microbiana do solo ainda é pouco conhecida. Embora menos óbvia ela é tão relevante quanto a diversidade de plantas e animais. Porém, como nós não enxergamos os microrganismos, os impactos na diversidade microbiana, na maioria das vezes, passam despercebidos. Um bom exemplo disso é que ainda não encontramos o nome de nenhum microrganismo na lista de espécies ameaçadas de extinção e isso ainda vai demorar um bom período de tempo para acontecer, dada a complexidade que envolve o estudo desses seres microscópicos (a grande maioria deles não cresce em meio de cultura nos laboratórios). O advento de novas técnicas moleculares tem permitido identificar que o número de espécies microbianas presentes no solo é bastante superior ao estimado com base em técnicas tradicionais de cultivo em meio de cultura nos laboratórios. Trabalhos recentes chegaram a encontrar, em apenas um grama de solo, mais de 50.000 diferentes sequências de DNA de bactérias, das quais 90-99% não são conhecidas, um verdadeiro universo paralelo.
Isso tudo é muito interessante, mas onde se encaixa a questão da diversidade microbiana dentro do tema principal de nossa coluna, a saúde/qualidade do solo? Sabendo-se que os microrganismos são parte integrante da qualidade do solo, um melhor entendimento da dinâmica e estrutura das comunidades microbianas pode nos ajudar a compreender melhor o impacto dos diferentes sistemas agrícolas no funcionamento biológico do solo. Por exemplo, quando convertemos uma área nativa de cerrado para um plantio de soja ocorrem perdas da diversidade microbiana semelhantemente ao que ocorre com as plantas e animais? Essas perdas são relevantes? Perdemos espécies que eram únicas? Essas perdas poderiam acarretar perdas de alguma função do solo (por exemplo, degradação de algum composto agroquímico)? Enfim, são muitas perguntas, boa parte ainda sem uma resposta clara. No entanto, na última década, com o auxílio de novas ferramentas para estudos em ecologia microbiana, diversos trabalhos científicos têm se dedicado a esclarecer essas questões e um volume considerável de informações sobre a diversidade microbiana do solo em áreas agrícolas já está disponível, inclusive aqui no Brasil.
Em um recente trabalho publicado em parceria com nossos colegas da UFRJ e Embrapa Agrobiologia, a estrutura das comunidades bacterianas foi avaliada e diferenças nas populações desses microrganismos, em resposta a diferentes sistemas de manejo do solo, foram encontradas. Nossos resultados sugerem que o solo sob plantio direto, quando comparado ao plantio convencional, apresenta uma estrutura da comunidade bacteriana mais similar à presente sob Cerrado nativo. Acredita-se que o sistema de plantio direto possa ser capaz de criar condições ambientais necessárias para o restabelecimento da população microbiana nativa, impactada negativamente pela degradação do solo em resposta ao manejo agrícola convencional. Adicionalmente, observamos que o plantio direto também apresentou maior índice de diversidade quando comparado ao plantio convencional. Além disso, talvez o resultado mais interessante desse trabalho tenha sido a forte correlação das analises envolvendo a estrutura genética das comunidades bacterianas do solo com as análises que englobavam outros atributos (químicos e biológicos) relacionados à qualidade do solo.
Embora esses estudos ainda não sejam suficientes para compreender toda a dinâmica e funcionalidade da diversidade microbiana dos solos sob diferentes sistemas de manejo agrícola, são parte de um conjunto importante de informações que poderão nos ajudar a conduzir uma agricultura mais sustentável no futuro.
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