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A terra preta de índio já foi descoberta há algumas décadas, mas os pesquisadores do mundo todo ainda estudam os mistérios das manchas de extrema fertilidade da Bacia Amazônica. Apesar de nos Estados Unidos e Europa os seus benefícios já serem divulgados, os próprios brasileiros não conhecem as particularidades do solo altamente fértil e resistente. A terra preta de índio seria uma mistura de resíduos de matéria orgânica que foram carbonizados e depositados no solo ao longo de séculos. Ainda não se sabe porque os índios faziam isto, se por questões ritualísticas, culturais ou se o ato era proposital, se eles realmente percebiam que o acúmulo daquela matéria gerava um solo diferenciado.
Demorou anos para que os pesquisadores da Embrapa Solos, que lidera as pesquisas sobre o assunto, conseguissem chegar a uma conclusão do motivo da alta fertilidade do solo. Eles estimam que a terra preta de índio teria sido produzida há mais de 4 mil anos, na era pré-colombiana, muito antes dos europeus terem chegado ao Brasil. Os estudos agora são para conseguir reproduzir os mesmos efeitos da terra preta de índio na agricultura atual. Pesquisadores estão desenvolvendo em laboratório os mesmos efeitos de fertilidade e resistência da terra preta para que os agricultores comprem o material e possam aplicá-lo na sua propriedade.
— A terra preta de índio são solos encontrados na Região Amazônica e muito interessantes porque são extremamente férteis e também mais resistentes à ação humana. Os índios pegavam todos os resíduos que eles tinham, de caça, de agricultura e de alimentação, e carbonizavam este material. Eles não tinham lixões onde depositar o material, então eles carbonizavam os resíduos. Esta terra enriquecida em carbono durante muitos séculos formou um solo extremamente profundo e fértil. O maior objetivo do nosso trabalho era entender o que levava esta grande fertilidade destes solos e hoje sabemos que é pelo elevado conteúdo de matéria orgânica. Este é um material que sofreu um processo de carbonização, de pirólise, com pouco oxigênio, que gerou este material especial — explica Etelvino Novotny, pesquisador da Embrapa Solos.
Outra curiosidade com a terra preta de índio, também entre os habitantes da região, vinha da enorme diferença com o terra comum à região. O solo amazônico não é muito fértil e, principalmente, não é resistente. O pesquisador Novotny explica que é muito comum, na Amazônia, o solo perder nutrientes porque ele não tem capacidade de retenção, então a chuva, que ocorre com frequência na região, leva todos os nutrientes embora. Ele diz que geralmente, quando se desmata a floresta, as primeiras produções na agricultura são muito altas, mas logo depois o solo perde produtividade justamente pela incapacidade de retenção de nutrientes. A terra preta de índio mantém por muito tempo a matéria orgânica no solo e consegue reter os nutrientes das plantas.
— A terra preta de índio seria o modelo para se ter um condicionador de solo que o agricultor poderia aplicar no seu solo e conseguir reter carbono no solo, diminuindo os efeitos dos gases estufa, para melhorar a fertilidade do solo. A ideia é tentar reproduzir este material usando tecnologia moderna. O que a gente pretende fazer, através da pirólise, é pegar os resíduos que não têm destino, carbonizar esta biomassa e aplicar esta matéria orgânica carbonizada no solo. Com as transformações que vão ocorrer naturalmente este solo vai se parecer muito com a terra preta de índio e nós vamos conseguir atingir o alto índice de fertilidade e retenção de nutrientes. Seria o resgate do conhecimento indígena casado com a tecnologia moderna — comemora Novotny.
O pesquisador deixa claro que o solo que o agricultor vai ter gerado a partir de matéria produzida no laboratório não será exatamente igual à terra preta de índio, até porque é necessário uma série de condições específicas para que isto ocorra. Mas o produtor vai poder desfrutar do benefício de ter um solo com ótimas qualidades. A reprodução da terra preta de índio pode trazer, inclusive, benefícios ambientais. Os pesquisadores vão utilizar resíduo orgânico como lodo de esgoto, restos de poda de árvore, bagaço de cana-de-açúcar, resíduos da produção de biocombustíveis como torta de mamona e torta de pinhão manso, sobras da indústria de papel e celulose. Estes resíduos atualmente não têm finalidade ou destino certo e acabam se tornando um passivo ambiental para muitas empresas. Estes materiais ao invés de serem desperdiçados ou jogados no ambiente sofreriam o processo de pirólise e serviriam para aumentar a produtividade do agricultor.
— Outra vantagem proporcionada pela tecnologia é acelerar este processo, porque a terra preta de índio levou séculos para ficar no ponto em que está. A gente está fazendo pesquisas para disponibilizar este material já pronto para o produtor. A ideia é a gente já fornecer um produto que seria um condicionador de solo, com sequestro de carbono, que contribui para diminuir o efeito estufa antrópico, e também reteria nutrientes e água. Temos dados de que a atividade microbiana também é muito favorecida porque este tipo de material é muito poroso, então ele consegue proteger microorganismos lá dentro — diz Novotny.
Quando o material semelhante à terra preta de índio for produzido em laboratório qualquer produtor do país poderá ter acesso a ele. Segundo Novotny basta saber a partir de que resíduo esta matéria orgânica carbonizada seria produzida. Na região litorânea, por exemplo, a casca de coco é um problema e poderia ser utilizada, nas regiões produtoras de álcool o resíduo poderia ser o bagaço de cana. O material poderá ser usado em qualquer região do país por qualquer tipo de produtor e em qualquer escala, desde o pequeno até o industrial.
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