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Iêda Mendes e Fábio Bueno
09/04/2010
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No artigo anterior da nossa coluna falamos sobre resultados de experimentos avaliando o uso dos microrganismos como bioindicadores em áreas de Plantio Direto (PD) e plantio convencional (PC). Uma das grandes preocupações dos pesquisadores que trabalham com esse tema é que esses bioindicadores possam ser utilizados rotineiramente pelos agricultores. Para isso, um aspecto importante é que os bioindicadores sejam de fácil mensuração e que seu custo de análise não seja elevado, possibilitando sua inclusão no rol de itensoferecidos em uma análised e solo.
Nesse sentido, a validação do uso dos bioindicadores em propriedades rurais é muito importante e não tem passado desapercebida pela pesquisa. Em 2004, avaliamos em seis propriedades rurais do município de Rio Verde (GO) o uso de parâmetros biológicos como indicadores de alterações no solo, devido aos sistemas de manejo. Esse município é o maior produtor de grãos do estado de Goiás e se destaca como exemplo na adoção do sistema de plantio direto (PD) que é praticado em 90% das propriedades rurais.
Dentre as seis fazendas selecionadas para o estudo, uma vinha sendo cultivada sob plantio convencional há 18 anos e as outras constituíam uma cronosequência isto é apresentavam períodos distintos de adoção do sistema de plantio direto: um, cinco, nove, onze e treze anos (PD-1, PD-5, PD-9, PD-11 e PD-13, respectivamente). Os bioindicadores avaliados foram o carbono da biomassa microbiana e a atividade de três enzimas do solo: -glicosidase, fosfatase ácida, e arilsulfatase (associadas aos ciclos do C, P, e S, respectivamente). Para a amostragem, as propriedades rurais foram divididas em três talhões, sendo que em cada talhão foram retiradas amostras compostas na profundidade de 0 a 10 cm, com a utilização de um trado holandês. Essa profundidade de amostragem possui melhor aceitação por parte dos agricultores e foi escolhida antecipando a possibilidade dos indicadores biológicos virem a ser utilizados por agricultores no monitoramento da qualidade do solo de suas propriedades.
O que verificamos foi que entre as seis propriedades rurais avaliadas, as propriedades PD-5 e PD-9 apresentaram, respectivamente, o menor e o maior teor carbono da biomassa microbiana. As demais propriedades não diferiram entre si com relação a esse parâmetro. Em relação à propriedade rural sob plantio convencional aumentos expressivos na atividade da enzima -glicosidase foram observados apenas nas propriedades PD-9 e PD-11 anos. Aumentos na atividade da fosfatase ácida foram observados em todas as propriedades sob plantio direto, com exceção da PD-1. Por outro lado, aumentos expressivos na atividade da arilsulfatase foram observados em todas as propriedades sob PD, inclusive naquela onde o PD havia sido implantado há apenas um ano.
Vários trabalhos de pesquisa mostram que, alguns anos após o estabelecimento do PD, as camadas do solo mais próximas à superfície apresentam propriedades químicas, físicas e biológicas diferenciadas, em relação ao PC. Os resultados obtidos neste estudo, com amostras de solo do bioma Cerrado, coletadas na profundidade 0 a 10 cm, confirmam em parte essas observações. Dentre os bioindicadores avaliados, as atividades das enzimas arilsulfatase e fosfatase ácida foram as que mais se destacaram em termos de habilidade para diferenciar as áreas sob PD e PC, evidenciando seu potencial como indicadores sensíveis, capazes de detectar alterações no funcionamento biológico do solo, antes mesmo que alterações significativas no teor de carbono da biomassa microbiana viessem a ocorrer.
Um aspecto muito importante nesse estudo é que comparamos uma propriedade rural que adotava o PC e uma cronosequência de propriedades rurais sob PD. Isso facilitou bastante a interpretação dos resultados. Se nesse estudo apenas uma das propriedades tivesse sido avaliada isoladamente seria muito difícil, no nosso estágio atual do conhecimento, interpretar os resultados obtidos com os bioindicadores categorizando-os em faixas de baixo, adequado e ótimo, como fazemos, por exemplo, em uma análise de fertilidade de solo para elementos como fósforo, cálcio ou potássio. E é esse exatamente um dos grandes desafios para os microbiologistas que trabalham com os bioindicadores: definir os níveis críticos (baixo, adequado, ótimo) para cada bioindicador pois, muito provavelmente, esses níveis irão variar de acordo com o tipo de solo, região geográfica e com os sistemas de manejo de solo e de culturas. Para superar esse desafio num país de dimensões continentais como o Brasil, será muito importante a criação de um banco de dados representativo sobre as propriedades biológicas dos nossos solos. Enquanto este banco ainda está em fase de construção, o que pode ser feito é o monitoramento da qualidade (saúde) do solo nas fazendas ao longo do tempo, utilizando os bioindicadores. Pela sua sensibilidade, o monitoramento dos bioindicadores do solo, constitui-se numa ferramenta que pode orientar o planejamento e auxiliar na avaliação das práticas agrícolas. Para isso o outro desafio da pesquisa é selecionar quais os bioindicadores que serão monitorados.
Como se vê, os resultados obtidos até o momento são promissores mas, dada a complexidade e a abrangência do assunto, para tornar o uso dos bioindicadores uma rotina em nossas análises de solo, um longo caminho ainda deve ser trilhado. As perguntas a serem respondidas são simples: o que avaliar, como avaliar e como interpretar o que foi avaliado. Processo semelhante ocorreu com os indicadores químicos de fertilidade de solo em que, vários anos de pesquisa foram necessários para que os métodos de amostragem de solo e os níveis críticos desses indicadores fossem bem definidos. Entretanto, hoje o resultado desse trabalho é de dar gosto: tabelas de recomendação muito bem definidas para cada elemento e tipo de solo e, mais recentemente, até para cada tipo de manejo. Vamos torcer e trabalhar muito para que num futuro não muito distante isso também possa ocorrer com os bioindicadores.
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Microrganismos e seu uso como bioindicadores em sistemas de Plantio Direto e convencional - Parte I
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