O êxodo rural nas regiões de predomínio da agricultura familiar, como é o caso do Oeste catarinense, (região constituída por 83 mil estabelecimentos e aproximadamente 100 mil famílias de agricultores) atinge hoje as populações jovens com muito mais ênfase que em momentos anteriores. Segundo estimativas, aproximadamente 70 mil jovens da região Oeste catarinense, com idade entre 15 e 29 anos, deixaram o campo na última década. Uma pesquisa realizada pelo Centro de Pesquisas para a Agricultura Familiar Cepaf/Epagri mostrou que chega a aproximadamente 15% a proporção de estabelecimentos familiares do Oeste de santa Catarina habitados por casais com mais de 41 anos de idade e sem o registro da presença permanente de jovens em seu interior. Isso significa que a continuidade profissional de mais de 12 mil propriedades familiares da região encontra-se ameaçada.
Além de alimentos e matérias primas, os agricultores do Oeste catarinense produziam, até o final dos anos 1970, algo para eles ainda mais importante: novas unidades de produção familiar, ali mesmo onde viviam – por meio da repartição de suas terras- ou pelo permanente esforço de “colocar os filhos”. Havia, portanto, uma fusão entre os objetivos da unidade produtiva e as aspirações subjetivas de seus membros. É claro que nem sempre estes objetivos podiam ser atingidos e tampouco eram raras as ocasiões em que surgiam planos autônomos de realização profissional entre os filhos fora da propriedade. Mas era muito forte a pressão moral para a continuidade da profissão de agricultor, tanto mais que os horizontes alternativos eram escassos e pouco acessíveis. Por um lado, então, há uma base objetiva que faz da agricultura a perspectiva mais viável de reprodução social para as novas gerações. Por outro, a ligação ao mundo comunitário, a incorporação dos valores próprios à continuidade da profissão paterna estão também na raiz desta fusão entre os objetivos da unidade econômica e as aspirações de seus membros. Quando esta fusão desaparece é que surge a chamada questão sucessória na agricultura.
No entanto, embora em muitos casos sejam enormes as dificuldades encontradas pelos jovens para montar o seu projeto profissional na agricultura, ainda é alto o interesse dos jovens em permanecer no campo. É preciso, portanto, aproveitar este potencial humano e utilizá-lo na renovação e no fortalecimento da agricultura familiar. No entanto, muitos jovens que permanecem no meio rural, e que provavelmente serão os sucessores, possuem um baixo nível de escolaridade que dificulta o desempenho e a gestão da atividade agrícola e principalmente a organização e o desenvolvimento das novas atividades que se colocam para o meio rural, como é o caso da produção agroecológica, a agroindustrialização artesanal, o turismo rural, etc. O nível de escolaridade atual muitas vezes compromete o próprio exercício de cidadania, na medida em que eles não conseguem sequer ter acesso aos direitos legalmente constituídos.
A população vivendo hoje no meio rural do Oeste de Santa Catarina (incluindo também suas pequenas aglomerações urbanas) é suficientemente importante para que um conjunto ativo de políticas possa despertar o interesse dos jovens em sua valorização. De forma resumida, a solução desses desafios passa por ajustes e mudanças em diversos campos como: das relações familiares (sucessão, herança, relações de gênero); educacional e de formação profissional (acesso, qualidade e o modelo pedagógico voltado aos aspectos da identidade da agricultura familiar e da região); modelo tecnológico e organizacional da produção agropecuária (voltado às especificidades da agricultura familiar e a sustentabilidade); geração de oportunidades de renda (agrícola e não-agrícola); regulação de acesso aos mercados; acesso a terra e reestruturação fundiária (crédito fundiário e mercado de terras); legislação ambiental (maior diversidade em respeito às especificidades agronômicas, ambientais, históricas, sócio-culturais, econômicas e organizacionais de cada região) e, finalmente, por um resgate da identidade histórico cultural por parte da sociedade local.
Existe, no Oeste de Santa Catarina, um conjunto variado de organizações estatais e não-estatais preocupadas com o desenvolvimento regional. É das ações que decidirem desde já com relação aos jovens que depende o futuro desta região que até hoje tem sido uma das mais importantes áreas de afirmação da agricultura familiar no Brasil.
Quem serão os responsáveis pela gestão da agricultura e do meio rural daqui para frente? Deixar que as próprias unidades familiares de produção se responsabilizem por esta questão é perder a oportunidade de utilizar econômica e socialmente vocações e capacidades profissionais e, sobretudo, encarar como fatalidade inelutável à desertificação social, econômica e cultural que ameaça esta região, e tantas outras onde também predomina a agricultura familiar. Acima de tudo, não podemos considerar como natural o esvaziamento econômico, social, político e cultural porque passa a nossa região, sob pena de sepultarmos o modelo de produção agrícola que tem sido até hoje a base de toda a economia regional, Portanto, este não é apenas um problema dos agricultores, uma vez que o êxodo juvenil significa desperdiçar irreversivelmente talentos e oportunidades capazes de promover o desenvolvimento regional e a cidadania no campo. Por isso mesmo, a solução deste grave problema, é de responsabilidade de todos os atores que acreditam no potencial da agricultura familiar como forma de garantir a produção de alimentos e a sustentabilidade dos recursos naturais.
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