No último artigo falamos sobre a saúde do solo e a sustentabilidade dos agroecossistemas, tema que dá título a essa coluna. Hoje vamos falar sobre os microrganismos do solo (bactérias, fungos, algas, líquens, vírus) e de sua importância para os sistemas agrícolas.
Uma frase famosa de Louis Pasteur diz que “a importância dos infinitamente pequenos é infinitamente grande”. Vejamos o exemplo da matéria orgânica, principal componente de fertilidade dos solos tropicais. Se considerarmos, por exemplo, que um solo de cerrado possui, em média, apenas 3% de matéria orgânica, somente 5% dessa já pequena quantidade é formada por seres vivos, sendo que, desse total, os microrganismos representam 70% (o restante é formado pelas raízes das plantas e pela macro, meso e micro fauna do solo: insetos, protozoários, etc). Ou seja, a parte viva e mais ativa da matéria orgânica do solo é constituída em sua maioria pelos microrganismos e são eles os responsáveis pelo funcionamento do solo. Sem a presença dessa parte viva, o solo seria simplesmente uma mistura de areia, silte e argila. O que faz o solo ser o solo propriamente dito é a vida que há nele.
Talvez esteja no reconhecimento crescente da importância dos microrganismos para o funcionamento dos agroecossistemas, a razão de a microbiologia do solo ter se desenvolvido tanto e tão rapidamente nos últimos anos. É enorme a lista de processos (ou serviços ambientais) em que os microrganismos do solo atuam. Alguns deles são tão importantes, que seria impossível pensar em vida no Planeta Terra caso eles não existissem. A própria formação do solo a partir das rochas é um processo que conta com a participação dos microrganismos. Da mesma forma, todos os processos de decomposição de resíduos orgânicos, que resultam na ciclagem dos nutrientes (ciclos biogeoquímicos) e na formação da matéria orgânica com conseqüente sequestro de carbono também são mediados por microrganismos. Somem-se a estes a biorremediação de poluentes, a degradação de agrotóxicos, a formação das associações micorrizicas entre fungos e plantas e a fixação biológica do nitrogênio (FBN) por bactérias, entre outros.
Valorar esses serviços ambientais é praticamente impossível. Mas em alguns casos podemos fazer algumas inferências e a partir daí ter uma dimensão mais clara da importância dos processos microbiológicos para a sustentabilidade dos agroecossistemas. A FBN é um bom exemplo, justamente por ser possível de mensuração em cifras. Bactérias coletivamente chamadas de rizobio, ao fixarem biologicamente o nitrogênio, retiram esse elemento da atmosfera transferindo-o para plantas leguminosas como o feijão, a ervilha e, principalmente, a soja, dispensando assim a necessidade do uso de adubos nitrogenados. Apenas no caso da soja, a economia anual, no Brasil, gerada pelo processo de FBN, é da ordem de US$ 6,0 bilhões. O processo de inoculação com rizóbios serve para economizar os recursos que deveriam ser utilizados para a compra de adubos nitrogenados. Sem o rizóbio, a soja brasileira, toda ela cultivada com inoculação, teria seu custo de produção muito elevado, afetando sua competitividade no mercado mundial. Note que não é considerado nesse cálculo o fato de que o uso do rizóbio, diferentemente do uso do adubo nitrogenado, não causa nenhum tipo de poluição ambiental!!
Este é apenas um exemplo do que a microbiologia é capaz. Muito pouco, todavia, se sabe sobre a relação dos microrganismos e da micro, meso e macrofauna do solo com os sistemas produtivos. Para se ter uma idéia, estima-se que menos de 10% da vida existente no solo seja conhecida. Isso para não falar do desconhecimento do que essa vida já identificada é capaz de fazer. Trata-se, de fato, de um universo paralelo. Um único grama de solo possui mais de 10 mil espécies diferentes de microrganismos, cerca de 1 bilhão de bactérias, 1 milhão de actinomicetos e 100 mil fungos. Por essa razão, não é exagero enxergar o solo como um verdadeiro supermercado de genes.
A participação dos microrganismos em todos os processos citados anteriormente justifica a inclusão de indicadores microbiológicos, ou bioindicadores, nos estudos que avaliam a qualidade/saúde do solo, assim como, a necessidade de pesquisas visando selecionar quais destes bioindicadores seriam os mais apropriados para este fim. Como o estabelecimento de diferentes agroecossistemas influencia diretamente a biota do solo e os processos realizados por ela, o uso de indicadores microbiológicos emerge como um componente importante dos estudos envolvendo a avaliação da qualidade/saúde dos solos agrícolas. Vale destacar sua sensibilidade para detectar, em etapa anterior em comparação a outros atributos físicos e químicos, alterações que ocorrem nesse ambiente em função do seu uso e manejo, seja ele mantenedor, melhorador ou degradador da qualidade.
O uso dos microrganismos como biondicadores para avaliar a qualidade dos nossos solos agrícolas será o próximo tema dessa coluna.
Artigo originalmente publicado em 14/01/2010
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