Muito tem sido falado em sustentabilidade dos sistemas de produção agropecuária, e o Brasil parece estar despertando para esta abordagem. O tema sustentabilidade é controverso e a intenção aqui não é discutir o mérito semântico da palavra. Em que pesem as mudanças realizadas ou planejadas para as leis ambientais do País, nas quais a legislação é sempre vista como a vilã e entrave à produção, o que é preciso é uma completa revisão de conceitos e abordagens. É preciso conciliar a produção agropecuária do Brasil com os outros aspectos fundamentais de suporte à vida dos brasileiros, porque nenhum país pode ser viável por um prazo longo sem ter o devido cuidado na gestão de seus recursos naturais.
Até agora, a visão generalizada é de que as diversas funções da paisagem rural no Brasil são conflitantes. Este é o pano de fundo para as iniciativas de mudanças propostas ao Código Florestal e certamente foi este o motivo da controversa alteração feita nas leis ambientais de Santa Catarina. Mas também este é o motivo do histórico desrespeito às leis ambientais pelo Brasil afora. Como resultado, temos vários exemplos de desastres sócio-econômico-ambientais que poderiam ter sido evitados. Um exemplo é a catastrófica enchente que acometeu o Estado de Santa Catarina em 2008. As perdas e os prejuízos econômicos tanto no meio rural como no urbano poderiam ter sido evitadas se houvesse planejamento no uso e ocupação do solo, levando-se em conta os riscos. Não há dúvida de que a coincidência de um evento climático extremo com o mau uso do solo foi responsável pela situação vivida pela população catarinense.
Outro exemplo que pode ser mencionado é o “apagão” energético que afetou o Brasil alguns anos atrás, quando um ano excepcionalmente seco levou ao colapso o sistema de produção de energia elétrica por falta de água nos reservatórios. É bem provável que o impacto daquele ano seco (outro extremo climático) poderia ter sido menor caso nossas nascentes e rios não estivessem tão degradados. Basta cruzar certas áreas rurais para verificar que as nascentes e mananciais menores estão sendo eliminados e áreas úmidas drenadas. Um país que depende de energia hidroelétrica não pode ser perdulário na gestão de seus recursos hídricos, já que este é um bem estratégico.
O terceiro exemplo é o famoso desastre do rio Taquari, no Pantanal. A parte alta da bacia deste rio foi ocupada de forma mais intensiva pela agricultura e pela pecuária no planalto que circunda o Pantanal a partir da década de 1970. Neste mesmo período houve um coincidente aumento da precipitação na região. O resultado foi o aumento da erosão, com as voçorocas tomando conta da paisagem, e o rio Taquari teve seu leito dentro e fora do Pantanal completamente assoreado. O rio foi gradualmente entupido pela areia oriunda de erosão nas fazendas, pois muitas não se preocuparam em aplicar princípios básicos de conservação do solo e respeitar as leis ambientais. O rio, então, rompeu suas margens em diversos pontos dentro do Pantanal, jogando grande parte da água em uma área gigantesca que antes era inundada apenas uma vez por ano. A inundação permanente literalmente afogou fazendas inteiras, falindo-as e impactando os ecossistemas naturais. Florestas morreram em larga escala, e está havendo uma substituição gradual da biota original por outra mais adaptada às condições de inundação permanente.
O rio Taquari continua sendo assoreado e a recuperação do sistema vai custar aos cofres públicos um volume imenso de recursos, tanto na necessária e urgente recuperação dos rios, nascentes e áreas de preservação permanente do Planalto, como na tentativa de intervenção no leito do rio no Pantanal. Esse é o exemplo perfeito de desenvolvimento não-sustentável que gerou riquezas e desenvolvimento numa área de uma grande bacia hidrográfica, mas que causou impactos brutais no ambiente e na economia em outra parte da mesma bacia. E aqui vai um alerta: todos os rios do Pantanal estão passando pelo mesmo processo, num desastre ambiental que, se não acontece de forma súbita, certamente está ao poucos transfigurando o Pantanal tal como o conhecemos hoje. É o que se tem chamado de “taquarização” dos rios formadores do Pantanal.
Eco-agricultura
Uma abordagem capaz de mudar a atual situação é o que tem sido preconizado recentemente na Europa, Austrália, Nova Zelândia e em outros países. A mudança passa por uma guinada na visão do espaço rural, com o abandono da visão tradicional compartimentada na qual a conservação é conflitante com a produção. Esta mudança se apóia no conceito de que as paisagens são multifuncionais. Ou seja, uma paisagem deve ser encarada como um sistema integrado que serve para os propósitos profundamente inter-relacionados de produção agropecuária, manutenção de biodiversidade, manutenção de solos férteis, manutenção da quantidade e qualidade de mananciais de água, paisagens esteticamente agradáveis, regulação climática, além de servir de base para relações histórico-culturais que porventura existam.
Esta abordagem parece simples ou até mesmo óbvia, mas ela requer uma revisão de atitudes, incluindo a adoção de novas políticas públicas, legislação mais integrada às condições eco-regionais, ações de planejamento, e desenvolvimento d
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