O maior desafio para a agricultura do século XXI está no equilíbrio de uma equação que envolve o aumento da produtividade de alimentos com o mínimo impacto ambiental. Nesse contexto, a manutenção/melhoria da saúde do solo merece atenção especial, pois trata-se do elo mais importante entre as práticas agrícolas e a sustentabilidade. Ou seja, não é possível pensar em agricultura sustentável se as práticas agrícolas adotadas na propriedade rural não favorecerem a saúde do solo.
Apesar de sua importância como base de todos os nossos sistemas de produção de alimentos, o conceito de saúde ou de qualidade do solo na agricultura é bastante recente (surgiu na década de 1990) e envolve não só a questão da produtividade biológica (grãos, carne e leite) mas também todos os serviços ambientais que o solo presta ao planeta Terra e que resultam na melhoria da qualidade da água e do ar e na promoção da saúde dos seres vivos, incluídos aí plantas e animais.
E por que a preocupação com a saúde do solo? Num cenário em que a população mundial e conseqüentemente a demanda por alimentos é crescente, vários estudos têm demonstrado que em torno de 40% dos solos do mundo estão degradados. Para exemplificar, apenas no Brasil, estudos realizados em 2000, apontam que a taxa de perdas dos nossos solos por erosão é da ordem de 2,5 bilhões de toneladas por ano. Tudo isso é extremamente preocupante se levarmos em consideração que a natureza leva em torno de 400 anos para formar uma camada de um centímetro de solo!!! Como sabemos por meio dos livros de história, várias civilizações importantes tiveram seu declínio intimamente associado à falência de seus sistemas agrícolas, principalmente devido ao esgotamento da saúde do seus solos. Diante disso, devemos refletir sobre uma importante pergunta: o que pretendemos deixar para as nossas gerações futuras, jardins ou desertos?
Por todas essas razões, o interesse mundial pelo tema qualidade/saúde do solo é crescente e evidencia a preocupação da sociedade com esse recurso natural. Entretanto, a quantificação da qualidade de um solo não é uma tarefa fácil devido a multiplicidade de fatores químicos, físicos e biológicos que resultam no seu “funcionamento” e suas variações, em função do tempo e espaço. Dessa forma, a identificação de parâmetros-chave, que possam servir como indicadores do funcionamento do solo é fundamental, uma vez que nenhum indicador individualmente irá descrever e quantificar todos os aspectos da qualidade do solo. Os microrganismos juntamente com a fauna (micro, meso e macro) e as raízes das plantas, constituem a fração viva da matéria orgânica do solo e podem ser utilizados como indicadores biológicos ou bioindicadores uma vez que estão intimamente relacionados ao funcionamento do solo, apresentando uma estreita inter-relação com os componentes físicos e químicos. Os indicadores microbiológicos possuem maior sensibilidade que os indicadores químicos (ex: pH, teores de macro e micronutrientes) e físicos (ex: densidade, macro e microporosidade, distribuição e estabilidade de agregados), podendo detectar mudanças sutis nas propriedades dos solos que ocorrem já nos primeiros anos da introdução de diferente sistemas de manejo agrícola. Exatamente por possibilitarem a identificação rápida e precisa de alterações no solo, o conhecimento e uso dos bioindicadores, pelos agricultores, pode ser muito vantajoso, tanto no sentido de incentivar aqueles que já estão adotando sistemas de manejo conservacionistas, bem como no sentido de alertar agricultores que estejam adotando sistemas de manejo que possam levar à degradação do solo.
Em alguns países do mundo avaliações da saúde do solo já fazem parte da realidade do agricultor. Na Holanda, um País situado abaixo do nível do mar e que conquistou solos para a agricultura mediante a construção de diques (polders), a preocupação com a qualidade do solo é tão grande que existe uma rede de monitoramento da qualidade do solo que funciona desde 1993 e que monitora 200 pontos distribuídos nas fazendas do país (um ponto que merece destaque é que o tamanho da Holanda é equivalente ao do estado do Rio de Janeiro). Na Nova Zelândia, o agricultor dispõe de um serviço na internet (http://sindi.landcare.cri.nz) onde com apenas sete parâmetros de química, física e biologia do solo ele pode avaliar se a saúde do seu solo está num nível baixo, adequado ou excelente. Da mesma forma, o agricultor americano também já dispõe de kits para avaliar a saúde do solo (www.solvita.co.uk/products/soil-life-test-kit.htm).
No Brasil, mais especificamente no Cerrado, nossa maior região produtora de grãos e carnes, os estudos de qualidade de solo e do uso de bioindicadores nesse tipo de avaliação são recentes. Até 1998, sabia-se muito pouco sobre o impacto dos diferentes tipos de sistemas agrícolas no funcionamento dos solos de cerrado. Doze anos após o início desses estudos muitas informações foram geradas e é com muita satisfação que iremos abordar, nessa coluna do Portal Dia de Campo, vários temas relacionados à saúde/qualidade dos nossos solos agrícolas e os últimos avanços da pesquisa agronômica brasileira nessa área. Sendo assim não percam. Nosso próximo assunto será: Microrganismos do solo a e a sustentabilidade dos agroecossistemas.
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