Resultados de pesquisas desenvolvidas no bioma Pampa confirmam que, com manejo correto, ajustando a carga animal à oferta de pasto, é possível aumentar a produção da pecuária e reduzir a emissão de metano entérico. Outra constatação está relacionada à própria emissão. Os níveis chegam a ficar até 43% menores – bem inferiores, portanto – aos estimados pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) para a pecuária brasileira. São boas novas para um bioma que tem a criação de animais como atividade tradicional, desenvolvida desde a época da chegada dos descendentes europeus na região.
As pesquisas de campo envolvendo a emissão de metano entérico e a presença de carbono armazenado no solo foram desenvolvidas por dois anos, de 2013 a 2015. As medições foram realizadas em novilhos da raça Hereford, em pastagens naturais do Pampa, com diferentes níveis de intensificação: pastagem nativa com ajuste de carga; pastagem nativa com fertilização nitrogenada; e pastagem nativa com fertilização mais sobressemeadura de azevém (gramínea cultivada no inverno) e trevo-vermelho (leguminosa cultivada, comumente utilizada na região).
"Nossa hipótese foi confirmada. Os sistemas naturais funcionam como sumidouros de carbono, além de outros serviços ecossistêmicos que prestam. Com ajustes de manejo e melhoramento das pastagens naturais, foi possível diminuir a emissão de metano", afirma a pesquisadora Cristina Genro, coordenadora da Rede Pecus para o bioma Pampa. "O manejo, portanto, continua sendo o grande problema com relação aos gases de efeito estufa (GEE) e à sustentabilidade da pecuária na região, pois, com alta lotação nas pastagens, a emissão é muito grande e há perda de carbono estocado no solo", reforça a pesquisadora.
Manejo
De acordo com a pesquisadora, o manejo adequado dos rebanhos é imprescindível para que se aumente a produtividade da pecuária de forma sustentável. A principal recomendação se refere ao ajuste de carga animal em relação à disponibilidade de alimentos. O cálculo utilizado é que se disponibilize pelo menos 12 kg de matéria seca de forragem para cada 100 kg de peso vivo de animal na área onde está o rebanho. Uma forma mais fácil para o produtor avaliar a quantidade ideal de alimentos é manter a altura da área de pastagem nativa utilizada entre 11 e 15 centímetros.
Com um manejo adequado, aliado ao melhoramento genético de animais, hoje é possível abater bovinos com até 18 meses de idade. A diminuição do período entre o nascimento e o abate, por meio do aumento na eficiência alimentar, também contribui para a diminuição na emissão dos GEEs, uma vez que os animais permanecem menos tempo no campo.
Detalhes da pesquisa
No estudo, os animais com idade entre dez meses e dois anos de idade permaneceram em campo nativo com ajuste de carga para 12% PV (12 quilos de pasto seco para cada 100 quilos de peso vivo animal), submetidos aos três níveis de intensidade de utilização − campo nativo, campo natural fertilizado e campo nativo fertilizado e sobressemeado com azevém e trevo-vermelho. Nesse último nível, foram registradas as menores emissões de metano por animal: 31,6 kg/ano. Já no campo nativo fertilizado, a emissão foi de 42,8 kg/ano e no campo natural foi de 46,35 kg/ano. As estimativas do IPCC são de uma emissão de 56 kg/ano de metano por animal dessa mesma categoria no Brasil.
Foram avaliados 27 animais da raça Hereford que, no início da pesquisa, tinham peso médio de 180 kg. Alimentados somente a pasto, os animais apresentaram um ganho médio diário por cabeça de 0,38 kg naqueles que permaneceram no campo nativo sem tratamento; 0,62 kg no campo nativo fertilizado e 0,72 kg no campo nativo fertilizado e sobressemeado.
O consumo alimentar médio dos animais foi maior no inverno, quando foram ingeridos 6,13 kg de matéria seca/dia e na primavera com um consumo de 5,25 kg de matéria seca/dia. "Considerando que os animais só se alimentaram de pasto, sem nenhum tipo de suplementação, o ganho médio diário está dentro dos padrões para esse tipo de sistema. Isso quer dizer que reproduzimos o sistema de produção preponderante na região, com um manejo de pasto adequado, o que faz com que a emissão de metano também deva refletir a realidade da pecuária na região", afirma Cristina.
Na aferição da emissão de metano, os animais permaneceram durante cinco dias com buçais presos próximos às narinas e à boca, absorvendo a eructação do gás pelos bovinos. Os equipamentos não machucam e obedecem a protocolos que garantem o bem-estar do animal. As amostragens recolhidas, uma a cada estação do ano, foram enviadas para um laboratório da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre, que faz a medição do gás emitido.
Já as avaliações das emissões e sequestro de carbono em animais, pelo solo e pelas plantas (pastagens), foram realizadas nos campos experimentais da Embrapa Pecuária Sul e na estação experimental da Faculdade de Agronomia da UFGRS, em Eldorado do Sul (RS).
Rica biodiversidade
O bioma Pampa cobre mais da metade sul do Estado do Rio Grande do Sul – 63% do território estadual – e é parte dos Pampas Sul-Americanos, que se estendem pelo Uruguai e pela Argentina. Ocupa uma área de 176.496 km², de acordo com dados de 2004 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Sua enorme e rica biodiversidade abriga em torno de 3.000 espécies de plantas e quase 500 espécies de aves, segundo dados disponibilizados pelo Ministério do Meio Ambiente, e ainda não foi completamente descrita pela ciência.
Uma das peculiaridades do Pampa é ser formado em boa parte por campos, o que explica sua vocação natural para a pecuária. Diversos estudos sobre a composição florística dos campos naturais do Pampa já identificaram mais de 400 espécies de gramíneas e 150 de leguminosas, sendo a grande maioria com potencial forrageiro.
Mais carbono na pastagem
Experimento realizado pela Embrapa Pecuária Sudeste em área de Mata Atlântica demonstrou que o manejo sustentável permite que pastagens sequestrem mais carbono pelo sistema radicular que a vegetação nativa. A avaliação considerou dois manejos em sistema produtivo – sob pastagem de Brachiaria decumbens, uma em recuperação e outra degradada.
A pesquisa, conduzida no âmbito da dissertação Avaliação do acúmulo e emissão de carbono do solo sob sistemas produtivos de pastagem do aluno Alfredo Augusto Pereira Xavier, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo, campus de São Carlos (SP), foi orientada pela pesquisadora da Embrapa Instrumentação (SP) Débora Marcondes Bastos Pereira e recebeu o Prêmio Vale-Capes de Ciência e Sustentabilidade, grupo 3 – Redução de Gases do Efeito Estufa (GEE).
A pesquisadora explica que outro ponto importante do estudo foi a possiblidade de utilizar uma nova técnica de avaliação de sequestro de carbono, o LIBS − espectroscopia de emissão óptica com plasma induzida por laser −, e compará-la com o método tradicional de análise, o que sinaliza a aplicação futura desse tipo de instrumentação no campo.
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