Quando o imigrante japonês Sigeiti Takase desembarcou de um navio no Rio de Janeiro, no começo da década de 1920, trazia em sua bagagem uma novidade que, com o passar de muitos anos, invadiria o lar dos brasileiros. Filho de um comerciante de peixes ornamentais, ele enfrentou a travessia de oceanos transportando algumas espécies asiáticas que deram início ao hobby em nosso país.
Foi o pontapé inicial para uma atividade comercial, a cultura de tais pets no Brasil (quando o nome pet nem sequer era ouvido por aqui), o chamado aquarismo, que teve seu grande impulso somente na década de 1970. Foi quando aquários, ração e acessórios mil começaram a sair com mais frequência das lojas, encantando, de forma massiva, crianças e adultos.
Atualmente, com o mercado em ascensão, existem cerca de 1,8 mil criadores no Brasil (a grande maioria pequenos produtores). Segundo pesquisa da Universidade Federal do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), esse ramo da piscicultura movimenta R$ 700 milhões por ano, mas sua cadeia produtiva pode chegar a um valor oito vezes maior, levando-se em conta, por exemplo, o comércio de aquários (alguns com preço altíssimos), ração e acessórios. Um peixe beta macho é vendido para distribuidores por R$ 1, ao passo que a fêmea da mesma raça alcança o preço de R$ 0,20.
Dos cerca de 1,8 mil produtores, pouco mais de 350 estão no entorno de Muriaé, na Zona da Mata mineira, o que a coloca como a maior região produtora do Brasil. Na Zona da Mata, oito cidades são produtores de ornamentais: São Francisco do Glória, Patrocínio do Muriaé, Miradouro, Barão do Monte Alto, Eugenópolis, Vieiras, São Francisco do Glória e Muriaé.
É nessa região que atua o médico veterinário Gabriel Miranda Batista, 28 anos, que tem sua vida permeada pelo contato com os ornamentais, desde criança, aos oito anos, quando ganhou seu primeiro aquário. Além de atuar em sua profissão lidando com os muitos criatórios da região – ele acredita ser um dos poucos profissionais veterinários do Brasil que atuam somente com peixes, talvez o único–, Gabriel também é produtor em Patrocínio do Muriaé. Por isso, é interagido com a produção, distribuição, comércio e consumidor final (aquele que tem o aquário), as quatro fases da cadeia produtiva.
Ele conta que o ornamental é um bicho muito sensível ao ambiente interno e externo, às condições sanitárias, além de demandar rações específicas e balanceadas, temperatura da água ideal, bem como condições de transporte, entre outros fatores. Mas descarta a ideia de que tal peixe morre com facilidade, sem causas aparentes.
“O peixe ornamental , se tratado em condições ideais desde o criadouro, pode ter uma vida longa. Não é exagero dizer que ele pode viver quatro anos ou mais”, afirmou, acrescentando que “se trata de um pet que não transmite doenças, não produz ruídos e é perfeito para promover o relaxamento, conforme já demonstrado em pesquisas. Pode notar que muito consultórios, inclusive de dentistas, têm aquários nas salas de espera para diminuir o estresse do paciente.”
Apesar de se mostrar otimista com a evolução do mercado de ornamentais, Gabriel Miranda reclama da falta de reconhecimento e regulamentação oficial da atividade pelas autoridades, lembrando que na região os criadores desse tipo de peixe começaram a produção há 40 anos.
Diz que ouviu falar do Projeto de Lei (PL) 921/15, do deputado Braulio Braz (PTB), que propõe a criação do Polo de Piscicultura Ornamental na região de Muriaé (o parecer foi aprovado no dia 19), mas não tem maiores detalhes. No entanto, acredita que a simples discussão do assunto é um indicativo de que a atividade vem ganhando visibilidade.
O analista do Sebrae Jefferson Dias Santos, baseado na cidade de Muriaé, diz que a criação de ornamentais na região é orientada por um projeto da entidade que começo há dois anos, a partir de uma reunião com o Ministério da Pesca, e tem planos de se estender por mais dois anos.
“O projeto é trabalhar a cadeia produtiva, mas no momento estamos focados no produtor. A ideia é formar uma associação mais forte e incentivar a cultura da cooperação. Temos também uma parceria com a Universidade Federal de Viçosa (UFV) que trabalha com controle de qualidade e distribui kits para medir a qualidade da água nos tanques. E também técnicas de nutrição em parceria com a Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Jefferson explica que as ações passam por consultas feitas por técnicos na propriedade do produtor, clínicas tecnológicas e cursos periódicos, que incluem técnicas de administração do negócio.
A região que é a maior produtora de ornamentais no Brasil, sempre se pautou por pela produção de leite, atividade que segue forte. Porém viu muitos migrarem para os peixes ou mesmo desenvolverem as duas atividades em paralelo. Paulo César Vilela Bahia é um deles. Vaqueiro por formação, ele sempre trabalhou para fazendeiros. Há cinco anos, resolveu ingressar no negócio dos peixes e hoje produz 200 por semana, em seu pequeno sítio na cidadezinha de Barão de Monte Alto.
Ele justifica a mudança dizendo que a criação de ornamentais é um serviço muito mais leve, além, é claro, de ele ter se transformado em seu próprio patrão. Acredita que o negócio dos peixes – não somente o seu – deve se expandir muito. Elogia o trabalho do Sebrae que, segundo ele, vem criando uma espírito de cooperativismo que ajuda muito.
“Atualmente compramos ração, embalagem e sal por preços muito mais em conta que antes. O pacote de sacolinhas para transporte, que antes eu comprava por R$ 17 ou R$ 18 (com 300 unidades), hoje eu pago R$ 11,50. Isso porque nossas compras são em conjunto, o que puxa o preço para baixo”, explica. E, confiante num futuro melhor, não deixa de citar o concurso de ornamentais realizado ano passado no Rio de Janeiro, quando os produtores da região abocanharam mais da metade dos prêmios. “Meu vizinho, o Vando Caetano, ganhou na categoria Beta, com o exemplar mais bonito do Brasil. Um peixe lindo, sô, cê precisava ver”, diz, com entonação de um pescador que conta mais uma história, dessa vez verdadeira.
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