Na cultura da cana-de-açúcar, o uso de silício proporciona ganhos de produtividade que podem chegar a 20%, além de aumentar a resistência das plantas contra o ataque de pragas e doenças.
1. O silício como nutriente benéfico às plantas
O silício (Si) é o segundo elemento mais abundante na crosta terrestre, atrás apenas do oxigênio. Na natureza, o Si só ocorre combinado, principalmente, como mineral inerte em areias, quartzo (SiO2), caulinita, micas, feldspatos ou outros argilominerais (alumínio, magnésio, cálcio, sódio, potássio ou ferro), com os quais forma silicatos (Marschner, 1995). Apesar de ser um dos elementos mais abundantes e, estar presente na maioria dos solos em quantidades consideráveis, os solos arenosos e de textura média, os quais representam grande parte das áreas de expansão da cultura da cana-de-açúcar, contêm menores teores de silício solúvel nos seus horizontes superiores (Camargo et al., 2007). O silício é absorvido na forma de ácido monossilícico (H4SiO4) juntamente com a água (fluxo de massa) e se acumula principalmente nas áreas de máxima transpiração (tricomas, espinhos, etc.) como ácido silícico polimerizado (sílica amorfa). Em geral, são consideradas como acumuladoras de silício, as plantas com teor foliar acima de 1%, como a cana-de-açúcar, e como não acumuladoras, aquelas com teores de Si inferiores a 0,5% (Ma et al., 2001).
2. Benefícios do silício para a cana-de-açúcar
Os efeitos benéficos do Si às plantas estão relacionados, principalmente, ao aumento da resistência ao ataque de insetos-praga, nematoides ou doenças e à redução na taxa de transpiração através do controle do mecanismo de abertura e fechamento estomático, o que proporciona maior tolerância à falta de água nos períodos de baixa umidade do solo. Outros benefícios podem ser citados como: amenização dos efeitos do excesso de metais pesados e do estresse salino, tolerância às adubações pesadas com nitrogênio, aumento da força mecânica dos colmos (com decréscimo na suscetibilidade ao acamamento) e melhoria na arquitetura das plantas (com melhor penetração de luz no dossel devido ao crescimento mais ereto das folhas e a redução do autossombreamento) (Liang et al., 2007).
3. Fontes de silício e manejo da aplicação de silicatos
Solos tropicais e subtropicais, submetidos ao manejo intensivo e à monocultura, sujeitos à intemperização e lixiviação, normalmente, apresentam altos índices de acidez, teores de alumínio e capacidade de fixação de P, além de baixa saturação por bases e baixos níveis de Si disponível, devido ao processo de ‘dessilicificação’ (Matichenkov & Calvert, 2002).
Os solos argilosos apresentam maior quantidade de filossilicatos (minerais de argila que liberam Si e Al3+) e maior quantidade de Si em solução quando comparados aos arenosos. Apesar de que a fração areia seja constituída predominantemente por quartzo (SiO2), este é um mineral de difícil decomposição química, o que torna os solos arenosos mais responsivos do que os argilosos em relação à aplicação de silicatos (Demattê et al., 2011).
Entre os principais materiais utilizados como fonte de Si para as plantas temos: escórias de siderurgia (Figura 1), wollastonita, silicato de cálcio (subproduto da produção de fósforo elementar), silicato de cálcio e magnésio, metassilicatos de cálcio e de sódio, silicato de potássio e de magnésio (serpentinito), cimento e termofosfato. Os silicatos têm, no solo, comportamento similar ao calcário, promovendo reações químicas semelhantes, dentre elas: aumento do pH, redução na saturação por Al+3, precipitação de Al e Mn tóxicos, aumento dos teores de Ca e Mg trocáveis, da saturação de bases dos próprios teores de Si no solo (Korndörfer et al., 2004).
A dose de silício a se aplicar para correção da acidez do solo em áreas de canaviais pode ser definida pelo método da saturação por bases (V%), objetivando-se elevá-la a 80% para que haja um efeito residual suficiente para todo o ciclo da cultura. Apesar de ainda não existir um critério de recomendação de doses, baseado em estudos de calibração das análises de Si solúvel no solo e na produtividade da cana-de-açúcar, bem como sobre o efeito residual dos silicatos, dados disponíveis indicam que as doses devem variar de 3 a 6 toneladas de silicato por hectare (Prado et al., 2001).
4. Aumento da produtividade da cana-de-açúcar com o uso de silicatos
Embora não seja considerado um nutriente essencial, o Si é o elemento mais absorvido pela cana-de-açúcar, seguido por potássio (K), nitrogênio (N), cálcio (Ca) e magnésio (Mg). Diversos trabalhos efetuados no Brasil e no exterior têm constatado efeitos benéficos do Si em áreas cultivadas com cana-de-açúcar. Experimentos conduzidos com cana-de-açúcar, em solos arenosos, demonstraram aumentos de produção de 11 a 16% na cana-planta e de 11 a 20% na cana-soca, com a aplicação de 2,8 t ha-1 de silicato de cálcio e magnésio (Datnoff et al., 2001).
Silveira Junior et al. (2003) demonstraram que a aplicação de 4 t ha-1 de silicato resultou em aumento de 11,4% ou 16 toneladas na produção de colmos na cana-soca (2º corte). Em outro experimento foram aplicados 7,1 e 14,2 t ha-1 de silicato de cálcio com aumentos médios anuais de 13,9 e 18,2 t ha-1 na produção de colmos durante seis anos de avaliação (Korndörfer et al., 2002).
Altas produtividades em cana-de-açúcar parecem estar relacionadas com altas concentrações de Si nas folhas. Os teores podem variar desde muito baixos em folhas jovens (0,14%) até muito altos em folhas velhas (6,7%) (Figura 2). Arruda (2009) verificou correlações positivas entre teores foliares de Si e a produção de colmos em condições de campo. Nas áreas onde os teores foliares foram de 22 g kg-1, a produtividade média foi de 160 t ha-1, enquanto nas áreas onde os teores foliares foram de 15 g kg-1, a produtividade ficou em 128 t ha-1.
Prado (2000), avaliando a resposta da cana à aplicação de escória como corretivo de acidez, observou que a produtividade foi influenciada positivamente, alcançando 100 e 75 t ha-1, superiores às obtidas com a testemunha na cana-planta (89 t ha-1) e na cana-soca (58 t ha-1), respectivamente. Este autor verificou um efeito residual da escória siderúrgica na produção das soqueiras, com menor decaimento da produção ao longo dos cortes da cultura.
Algumas usinas sucroenergéticas da região de Ribeirão Preto/SP aplicam silicatos em suas plantações. Uma delas é a Usina Colombo, no município de Ariranha/SP, que aplica silicato em 35 mil hectares de área plantada e, a outra, é a Usina Guaíra, no município de mesmo nome, que o emprega em 10% dos seus 33 mil hectares de área (Filgueiras, 2007).
5. O silício e a resistência às doenças e pragas.
O uso de silicatos em cana-de-açúcar vem apresentando resultados positivos no controle de pragas e doenças. Os mecanismos de resistência das plantas conferidos pelo Si às pragas e doenças são decorrentes de sua associação com os constituintes da parede celular, tornando-a menos acessível às enzimas de degradação. A rigidez e o espessamento da parede celular, provocados pela deposição de sílica na epiderme, atuam como fatores de resistência mecânica. O ataque de pragas, principalmente a broca-da-cana (Diatraea saccharalis) e as cigarrinhas da folha (Mahanarva posticata) e das raízes (M. fimbriolata), e de doenças como a ferrugem da cana-de-açúcar (Puccinia melanocephala) e a mancha anelar (Leptosphaeria sacchari), podem ser diminuídas com o acúmulo de Si (Datnoff et al., 2007), o que o torna este elemento muito importante no manejo integrado de pragas e doenças, especialmente por atuar na indução de resistência das plantas.
A aplicação de silicato ao solo interferiu no desenvolvimento da M. fimbriolata, diminuindo a longevidade de machos e fêmeas em laboratório e a população de ninfas em condições de campo, melhorando a qualidade da matéria-prima (Korndörfer et al., 2011). Estes autores verificaram que o uso de silicato de potássio em áreas cultivadas com cana reduziu as chances das populações de M. fimbriolata atingirem níveis de dano econômico.
O acúmulo de Si nas folhas provoca a formação de uma dupla camada de sílica cuticular, a qual, pelo aumento da espessura, promove redução na taxa de transpiração, diminuindo a abertura dos estômatos e limitando a perda de água das plantas. Este acúmulo de Si nas folhas pelo uso de silicato resultou no controle parcial da broca-da-cana (D. saccharalis) (Camargo et al., 2010).
6. Custo-benefício da aplicação de silício na cultura da cana-de-açúcar
No processo de escolha da fonte de silício, deve-se considerar o poder relativo de neutralização total (PRNT) e a distância entre o local de produção e a propriedade, já que, muitas vezes, os locais de aplicação são muito distantes, encarecendo o custo do produto pelo elevado preço do frete. A análise da relação custo/benefício é que vai determinar a viabilidade ou não da aplicação do silicato em substituição ao calcário (Korndorfer et al., 2004).
O aumento da longevidade do canavial ou redução do declínio da produção da cana-de-açúcar pode significar aumento do número de cortes antes do replantio, o que é extremamente importante do ponto de vista econômico. O preço médio de uma tonelada de silício é de aproximadamente R$ 40,00. Se forem utilizados 800 kg de silício em um hectare, o produtor de cana-de-açúcar teria um custo médio de R$ 80,00 por hectare, englobando os preços do insumo e de sua aplicação, entretanto, ganharia em torno de R$ 240,00 com o aumento na produtividade (Correio de Uberlândia, 2012).
7. Considerações finais
A ação positiva do silício no aumento da produtividade da cana-de-açúcar tem sido atribuída, tanto ao seu efeito corretivo no solo, como também, propriamente, à ação do silício como nutriente benéfico (Demattê et al., 2011). Neste sentido, cabe salientar que, os benefícios proporcionados pelo Si são observados com maior frequência em solos pobres no elemento e/ou em anos com adversidades (veranicos ou períodos secos prolongados, geada, alta incidência de pragas e/ou doenças). Portanto, a falta deste nutriente benéfico pode diminuir a capacidade biológica das plantas em resistir às condições ambientais adversas (Rafi et al., 1997).
Referências
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